Há histórias reais que devem ser contadas. Mas também há histórias verídicas que não acrescentam nada para ninguém e poderiam muito bem ficarem escondidas e esquecidas. Crime de Família, produção argentina da Netflix, merecia estar na segunda opção.
Não que a história não tenha o que contar, na verdade ela é simplesmente tão cheia de gente ruim fazendo coisas ruins que é difícil permanecer interessado por ela até seu final. A conclusão dela você já sabe: rico destrói a vida de pobre e nem acha isso um absurdo tão grande, “afinal, estava tentando ajudar”.
Crime de Família é um drama sobre uma pessoa horrível, que consegue destruir a vida de absolutamente todos ao seu redor, simplesmente por ser horrível. Mas uma trilha sonora triste e calminha a empurra em um caminho de redenção. Essa “reviravolta emocional” dela pode até impressionar os espectadores com mais boa vontade, mas não passe de uma “passada de pano” na protagonista, que continua sendo aquela mesma ricaça que não entende as consequências de seus atos enquanto permanece em uma torre de marfim.
O filme acompanha Alicia (Cecilia Roth), uma senhora argentina com um grande apartamento e um marido aposentado, mas que parece ter todo dinheiro possível para que não exista impedimento nenhuma na vida deles. Uma elite com jeito de decadência moral e que não vê problema em esconder os segredos e erros do filho, nem que sejam ligados a estupros e agressões. O dinheiro sempre cala as bocas certas.
Enquanto o casal enfrenta essa nova acusação do filho, o filme dá um salto no futuro para entrelaçar um caso ligado à empregada da família, Gladys (Yanina Ávila), que surge em um “flash forward” coberta de sangue.
A jornada de Alícia é acompanhada pelo diretor Sebastián Schindel sem muito cuidado estética. Nada é muito inspirado e tudo soa meio sem sentimento. Pior ainda, parece ficar tempo demais próxima da protagonista, mesmo sem ela ter absolutamente nada a acrescentar que não seja tomar as piores decisões e deixar sair de sua boca os piores preconceitos e ignorâncias. Schindel cria uma personagem distante demais da realidade e isso não permite nunca que seu espectador se aproxime dela.
Já o roteiro do próprio Schindel em parceria com Pablo Del Teso é completamente estático e só vai se deixando ser empurrado pela trama sem muito interesse. Pior ainda a trama fica o tempo todo refém de uma reviravolta que ligue os dois casos, e quando ela acontece, não existe nada de muito climático, apenas a certeza de que a protagonista só mantém sua antipatia e afastamento moral.
Crimes de Família é uma experiência pesada demais, com gente ruim agindo de modo ainda mais ruim. Um filme que não se importa de se afastar das vítimas e seguir o caminho bem pertinho do pessoal que está mais errado. Quem mais perde nessa história toda, quase não tem oportunidade de se defender, apenas fica por ali, juntos dos espectadores olhando essa história que não tem muita razão para ser contada, principalmente desse jeito distorcido e confortável demais com todas atrocidades.
“Crímenes de Familia” (Arg, 2020); escrito por Sebastián Schindel e Pablo Del Teso; dirigido por Sebastián Schindel; com Cecilia Roth, Miguel Ángel Solá, Benjamin Amadeo, Sofia Gala Castiglione, Yanina Ávila