Cúmplices | Pega os atalhos, mas chega aonde quer chegar

Como qualquer outra coisa no mundo, o cinema também tem seus atalhos (que diferente de Hollywood, nem sempre levam em direção a aniquilação total por uma família de canibais), Cúmplices, filme francês de 2009, aposta em um atalho e nem por isso se dá mal.

A matemática é fácil: um corpo boiando, depois de um monte de planos abertos mostrando uma cidade, sempre remete a um assassinato, assim como a presença de um policial na cena seguinte sempre faz essa soma resultar em um mistério a ser desvendado. E o espectador não consegue viver sem ligar esses pontos, sem traçar um perfil dessa situação e acabar o filme sabendo quem, quando, onde e por que de tudo aquilo. Dê isso a eles e o cineasta passa a ver seus espectadores se transformarem em fãs, sem muito esforço.

O que faz de Cúmplices uma alternativa diferente nesse marasmo, é o roteiro de Pascal Arnold e Frederic Mermoud (que também é o diretor), que decide carregar a trama em dois momentos, não só o da investigação, que na verdade pouco descobre, mas dando espaço para um flashback do passado daquele jovem morto. Uma estrutura que ajuda a dar força ao filme, já que a todo tempo se tem a impressão de estar descobrindo algo, assim como dá ao espectador a possibilidade de ligar seus próprios pontos e ir formando sua própria história. Nesse caso, o inevitável da situação, a morte dele, acaba servindo muito mais como uma desculpa para olhar para aquele personagem e ver uma trama interessante se formar.

E por mais que o lado do presente, dos dois investigadores, não empolgue muito, servindo apenas como âncora para, depois do fim do mistério (que também aposta no óbvio, a fim de não tirar o foco geral da trama), se estender um pouco mais e finalizar tudo com uma conclusão difícil, que dá uma enorme profundidade para os personagens ao mesmo tempo em que até surpreende um pouco.

Por outro lado, esse mesmo esquema, ainda que bem ligado (passado e presente, com rimas interessantes, mesmo que sem muito estardalhaço), junto com a dinâmica dos dois policiais, ajuda a não fazer a história depender de um mistério a ser resolvido, até por que, faz questão de não pintar a vítima como o melhor dos samaritanos. Porém, perde um pouco do ritmo nesse vai-e-vem, e não consegue achar razões suficientemente fortes para as ações do personagem ainda em vida. Não que isso prejudique, mas, decididamente não permite que Cúmplices decole mais.

Todo corpo tem uma história e toda história tem um final, pelo menos Cúmplices não se perde contando mais do que isso, resultando então em um filme que pega os atalhos, mas chega aonde quer chegar.


Complices (Fra, 2009), escrito por Fréderic Mermoud e Pascal Arnold, dirigido por Fréderic Mermoud, com Gilbert Melki, Emmanuelle Devos, Cyril Descour e Nina Meurisse.


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