De Repente, Miss! | De Repente, propaganda

Eu queria ter esquecido este filme. E depois de passar uns dias eu quase consegui. Porém, estava em uma sala de espera, dessas da vida cotidiana, uma TV sintonizada em um canal aberto, e lá estava a Fabiana Karla (Os Parças 2) promovendo seu trabalho nesses infinitos programas vespertinos. E então todas minhas memórias voltaram, para minha tristeza.

Eu até gosto dos trabalhos anteriores do seu diretor, Hsu Chien (Quem Vai Ficar com Mário?, Ninguém Entra, Ninguém Sai) ou pelo menos não desgosto com força. Talvez porque eles tenham bem ou mal seus motivos sociais bem delineados e a paixão de produzir filmes nacionais maior que as necessidades comerciais.

Este novo filme infelizmente pisou feio na bola. Para começar é como se ele fosse uma gigantesca propaganda de duas empresas (não vou citar nomes): uma fornece as passagens da viagem que acontece no filme. A outra, um resort, hospeda os personagens. E o resto são quadros mal encaixados da protagonista e sua família lutando contra o status quo que privilegia mulheres mais… mais… mais o quê? Eu não sei, o filme tem medo ou vergonha de dizer. Ele não cria o contraste necessário para enxergarmos o conflito. Se nem o filme tem coragem de afirmar qual o problema da protagonista, exceto estar sempre desanimada pra vida, quem sou eu para arriscar dizer. A vida é muito curta para defender as neuras dos outros.

O engraçado é que sua sinopse, além de citar o nome do resort (!!), descreve em detalhes a trama que de fato existe na tela, como o descontentamento da personagem de Fabiana Karla em ter escolhido a “carreira” de mãe e ter largado seu trabalho com publicidade e ver sua filha (Giulia Benite) se tornar uma influencer famosa (vai Deus saber por quê) enquanto ignora os esforços da mãe em manter coesa a família. Porém, sua maneira de contar aliena o espectador dos detalhes mais importantes do enredo, movendo de verdade a história apenas no máximo por uns cinco minutos durante toda a projeção. O resto é meramente figurativo. Dá para repor a pipoca durante a maioria do filme.

Eu me lembro de um outro filme de uns bons anos atrás que oferecia a mesma sensação de estar em um comercial de TV de uma hora e meia recheado de cenas descartáveis. S.O.S. – Mulheres ao Mar, de Chris D’Amato, na época promovia atrizes em ascensão a bordo de um cruzeiro em alto mar. Desnecessário dizer que quem estava patrocinando o “filme” era o tal serviço de cruzeiros.

Que Hollywood e outras indústrias mundo afora fazem isso todo tempo não é novidade. Porém, salvo raras exceções, não sentimos que um filme pertence a uma marca ou empresa em particular. Em De Repente, Miss, sim. E a maior prova é o esforço ridículo em não apresentar conflito sequer em uma história que se desenrola dependendo da imaginação do espectador. E como eu já falei, não vou ousar afirmar nada aqui. É covardia demais dos produtores se esconder assim pelo dito não-dito.

Além disso, o roteiro escrito por Dani Valente não deixa margens para atuações, pois seus personagens são meros figurantes entre os extremos “propaganda de margarina” e “comédia supostamente escrachada” (se você achar graça). Em nenhum momento do filme dá para levar a sério os seres que habitam essa atmosfera fantasiosa e inofensiva, com seus dramas inexistentes ou piadas sem graça de tão batidas.

Aliás, minto a respeito do drama. Há um breve momento, quando o filme finalmente esboça ficar pesado e dramático, em que a vida da protagonista de Karla corre perigo causado pela vilã de Danielle Winits. Após alguns minutos sem maiores explicações tudo voltou ao normal. No final a heroína sorri para a vilã e termina em termos que se traduzem em “tentou me matar, né safada? Que não se repita, hein? Seja feliz.” Pois é. Este é mais uma vez o nível de covardia de uma obra que evita a todo custo impor pesos às atitudes de seus personagens.

Para piorar, Fabiana Karla não segura o protagonismo, mesmo que seja difícil entender se é pelo papel em si ou pela atriz. Danielle Winits como vilã é uma caricatura extravagante e se limita a exibir seu figurino e um falso orgulho de ser um “modelo de mulher”. Se bem que não ficamos sabendo que tal modelo é esse. A filha da protagonista vira sua fã, mas ficamos sem entender muito bem o porquê. Fica aí a dúvida básica em uma história sem pé nem cabeça.

Como cereja em cima de um bolo de gosto duvidoso, disposto a fazer um filme sobre e apenas sobre mulheres se digladiando, De Repente, Miss adota a postura cada vez mais frequente de apresentar o marido pet: aquele que é inofensivo, quietinho e só rosna para defender sua dona.

Não me leve a mal, esse estereótipo pode ser engraçado se bem usado. Em Barbie, para dar um exemplo de um filme que poderia soar como propaganda de uma marca (Mattel, a fabricante de bonecas), o Ken de Ryan Gosling é patético no mesmo nível de fofinho. Só que essa condição do personagem acaba dando espaço aos criadores do filme para uma obra instigante e inteligente, que discute temas muito além de um filme de boneca.

Em De Repente, Miss!, não apenas o filme se exime de afirmar sobre o que é o enredo como não consegue ir além do mero joguinho de enquetes novelescas. E com isso lembrei do que queria esquecer.


“De Repente, Miss!” (Brazil, 2024), escrito por Dani Valente, dirigido por Hsu Chien Hsin, com Giulia Benite, Fabiana Karla, Danielle Winits e Naruna Costa.


Trailer do Filme – De Repente, Miss!

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