Deadpool & Wolverine | Baby bye, bye, bye

Não existe nenhuma arte que esteja mais entranhada com o dinheiro do que o cinema. É um capitalismo desenfreado que o move. De sucesso de bilheteria em sucesso de bilheteria. De continuação em continuação. Resta para a arte em si, aquela que (espertamente) realmente se aproveita disso, criar uma possibilidade (e até responsabilidade) de discutir isso de um modo suficientemente poderoso e claro para entreter, emocionar, discutir e, é claro, dançar a coreografia do N´Sync enquanto mata dezenas de soldados inimigos com requintes de crueldade e Adamantium.

Sim. Deadpool e Wolverine faz tudo isso.

A trama é simples como deveria de ser. Deadpool é arrancado de sua linha do tempo pela AVT (aquela da série do Loki), porque (metalinguistamente falando) alguém “lá de cima” acha que ele é importante. O problema é que sua linha do tempo vai sumir já que a espécie de âncora dela morreu, vulgo o Wolverine. O que leva o “Mercenário Falador” a fugir por um monte de linhas do tempo até encontrar um novo Wolverine para salvar sua linha. O que dá errado e ambos vão parar no “Vazio” (também aquele da série Loki).

Resumindo, se você não viu Loki (a série), talvez fique meio perdido. E também precisa ter visto os outros filmes do Deadpool, todos filmes dos X-Men da Fox, Blade, Demolidor e Elektra, os 20 e muitos filmes do MCU, saber quem é a Madonna, ter lido gibis do Wolverine e dos X-Men na década de 80, 90 e 00, conhecer o Superman criado pelo Zack Snyder, entender a relação entre o criador do Deadpool, Rob Liefeld e pés, saber que nunca fizeram um filme do Gambit e, muito provavelmente, saber mais alguma outra coisa que pode ter passado despercebido para mim e para um monte de outras pessoas.

Sim, grande parte desse monte de coisas que estão na linha anterior só existem, porque no meio dos anos 90 a Marvel entrou em processo de falência e teve que vender parte dos direitos de adaptação cinematográfica de seus personagens para a, hoje finada, 20th Century Fox. Encare a falência da Marvel para as adaptações de HQs para o cinema como o que Homem-Aranha Atravé do Aranhaverso chama de “Evento Canônico”.

É esse acontecimento que, não só, permitiu que vários e vários filmes virassem realidade, como, aos poucos, foi fazendo com que a corrida pelas bilheterias criassem uma quantidade exorbitante de ideias poucas inspiradas. E quando elas são esquecidas, vão para o Vazio. Melhor ainda, diante de toda metalinguagem agarrada no Deadpool, isso se transforma em uma enxurrada de piadas e olhares que chamam o espectador mais atento para dentro do filme.

Ao lado de Ryan Reynolds, que já está acostumado com esse clima maluco, Hugh Jackman volta para seu “Canto do Cisne” como o canadense “melhor no que faz”. E falando em “melhor no que faz”, mais do que nunca os fãs de Wolverine ganharão um presente que mergulha nas páginas dos quadrinhos muito antes do personagem ganhar a altura e sex-appeal do ator australiano.

Agora sob a roupa amarela que os fãs tanto queriam, Jackman tem a possibilidade de construir um personagem absolutamente ranzinza, sem paciência, triste e violentamente selvagem. Essa última parte, nas mãos do criativo diretor Shawn Levy se torna um banho de sangue em ótimas sequências de ação que garantem todo ritmo necessário para fazer de Deadpool e Wolverine um espetáculo de estilo em cada luta entre os protagonistas e qualquer um que se meter na frente deles. Incluindo eles próprios e até um exército de Deadpools em um massacre que arrancará um sorriso dos fãs do mutante antes dele ser suavizado pela Fox.

Falando em “Fox”, sobre qualquer coisa que se possa dizer, mesmo com todo humor, violência e diversão de Deadpool e Wolverine, mesmo com o complexo de “Jesus do MCU” do Deadpool, o filme tem um objetivo claro de discutir aquilo que fica para trás. O que é esquecido, muito provavelmente, porque foi criado para satisfazer uma necessidade que ultrapassava as questões artísticas e até de bom senso, apenas para encher as bilheterias de filas com gente querendo ver coisas na tela grande que não tinham importância, mas como eram continuações e spinoffs em um mundo obcecado por estar “em dia” com tudo, engoliam qualquer coisa sem muita crítica ou análise.

Sim, parece muita coisa e apenas uma chatice qualquer para criticar o capitalismo, mas não é. O consumo desenfreado de um gênero, como acontece com os super-heróis, provoca um fenômeno de esquecimento estruturado daquilo que estava sendo feito, como se tudo se misturasse e roubasse o pouco de personalidade que cada ideia tinha inicialmente. É lógico que existe uma crise naquilo que hoje todos chamam de “gênero de super-heróis” no cinema, não um desgaste, mas sim uma falta de respiro. Como se não deixasse espaço para que nada fosse mastigado, degustado e analisado com um olhar que saia de perto do fã com o balde de pipoca especial vendido na lanchonete do cinema, e aceite uma autocrítica que faz com que o próprio gênero siga em frente ainda mais forte.

Você pode até achar que isso não importa muito, mas Deadpool e Wolverine acha isso importante o suficiente para fazer dessa discussão o ponto de partida de sua homenagem a toda produção de filmes de super-heróis da Fox. Assim como Deadpool não quer permitir que seus amigos sejam destruídos pelo esquecimento e fará de qualquer coisa para impedir isso, esquecer aquilo que foi feito não deveria ser uma opção. É preciso aprender com tudo e seguir em frente criando algo novo e melhor.

Se existe uma crise (e existe!), é preciso fazer como Deadpool e Wolverine: tentar criar algo especial e, se possível, que tire muito sarro de tudo que rolou até agora, encha isso com muito sangue e participações especiais inesperadas enquanto demonstre o quanto a crise pode ser de criatividade, mas seus fãs estarão sempre prontos para encher as salas de cinema.


“Deadpool & Wolverine” (EUA, 2024); escrito por Ryan Reynolds, Rhett Reese, Paul Wernick, Zeb Wells e Shawn Levy; dirigido por Shawn Levy; com Ryan Reynolds, Hugh Jackman, Emma Corrin, Matthew Macfadyen e… o resto é spoiler.


Trailer do Filme – Deadpool & Wolverine

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