Ah, os clichês! Ruim com eles, pior sem eles. Para não funcionar alguém precisa usá-los de forma preguiçosa, relapsa. Afinal de contas, eles já fizeram sucesso milhares de vezes antes de se solidificarem em um lugar-comum. E no caso de Deixa Rolar não se pode dizer se eles são bons ou maus, já que sua própria estrutura depende da análise do que há de mais banal nesses filmes. Vejamos o plot:
“Comédia romântica sobre um escritor tentando criar uma comédia romântica onde ele próprio é o narrador dela.” Soa clichê? Espere até saber que ele nunca se apaixonou e que por isso passa por um bloqueio de criatividade.
Apesar de soar estranho contratar alguém sem experiência no assunto, basta olharmos para seu editor (Anthony Mackie) e lembrar uma sutil e divertida referência a Hitch – Conselheiro Amoroso. Ou seja, é melhor se preparar, pois o que se segue é uma sequência ininterrupta de homenagens e – obviamente – clichês de gênero que serão escrutinados pela mente de um escritor em processo de criação enquanto ele vive sua própria história de amor.
Essa é basicamente a fórmula por trás de Deixa Rolar, e é preciso dar créditos à sua coragem de “revelar” a dura e triste realidade das comédias românticas: as pessoas precisam de um pouco de açúcar na vida para deixá-la menos amarga, por mais estupidamente doce que este seja. Há um momento hilário em que a história de um personagem meio que resume as visões limitantes masculina e feminina do que esperar de um filme, passando por um tratamento piegas típico da Disney, mas criando um pouco de tensão usando uma animação com bastante testosterona.
Ou seja, até há um uso criativo e divertido dos clichês, só que curiosamente sua exploração em torno de uma comédia romântica soa ainda mais lugar-comum. É o típico caso de clichês sendo usados de maneira relaxada, como se apenas a auto-referência fosse suficiente para tentar se destacar desse lamaçal de ideias batidas. O que incomoda é que nosso protagonista está alheio a tudo isso, ele não ultrapassa a quarta parede e vem falar abertamente a nós, mesmo que boa parte das situações dependam da sua imaginação criativa, como se colocar em todas as histórias. No entanto, pior mesmo é a sua narração em off que explicita o óbvio (“por que ela está na minha imaginação?”), tornando boa parte das piadas sem graça justamente por estar sendo contada duas vezes. Isso se revela pior ainda com o personagem de Chris Evans, que demonstra pouca inteligência em seus devaneios, ainda que disfarçada de distração, já que ele parece sempre se colocar em um momento romântico inevitável e não saber o que dizer, como na bonitinha sequência do “eu te amo”.
E quando eu digo inevitável é porque a persona de Chris Evans é charmosa, magnética. Seu jeito despojado – muito provavelmente saído de sua mente escritora que devaneia praticamente durante todas as cenas – acaba combinando perfeitamente com o seu jeito de bonitão que parece conquistar diversas mulheres pelo caminho, incluindo a óbvia paquera da única mulher em seu grupo de amigos (Aubrey Plaza, a estagiária de Parks and Recreation). Sim, é claro que ele tem seu grupo de amigos, entre eles um romântico incorrigível que deixa livros perdidos pelos lugares para que as pessoas leiam. Boa parte dos momentos em que ele não está tentando se encontrar (ou se encontrando) com sua amada (a sempre bela Michelle Monaghan) é com eles que há aquela troca de ideias sobre o que ele está fazendo com a moça.
Os clichês chegam sim a incomodar um pouco, mas o ritmo é tanto o principal culpado pela falta de jeito de Deixa Rolar quanto o que cria uma atmosfera para a análise do que fascina as pessoas pela sensação inalcançável do amor, chegando ao cúmulo de forjarmos um subgênero tão adorado quanto odiado. Será que as auto-referências também estão se tornando um clichê?
“Playing It Cool” (EUA, 2014), escrito por Paul Vicknair e Chris Shafer, dirigido por Justin Reardon, com Chris Evans, Michelle Monaghan, Aubrey Plaza, Anthony Mackie, Luke Wilson e Topher Grace