Logo de cara é impossível não achar que Desaparecida é somente uma cópia de Buscando…, thriller de 2018 escrito e dirigido por Aneesh Chagantty, mas que agora já é um dos nomes que assina o roteiro. E talvez seja mesmo uma cópia, afinal parte de uma mesma ideia. Mas com certeza sabe fazer isso com estilo, criatividade e capricho. Portanto, uma cópia, mas uma cópia incrível.
Desaparecida é assinado agora pela dupla Will Merrick e Nicholas D Johnson, que também escrevem o roteiro com Chagantty, mas a ideia é a mesma: a de contar toda história através da tela de um computador, ou agora, vários computadores e ainda algumas outras telas. Nesse caso, a trama envolvendo June (Storm Reid), uma jovem que fica em casa enquanto sua mãe e o namorado vão viajar para a Colômbia. O problema é que eles simplesmente desaparecem.
O filme então acompanha todo esforço dela para descobrir o que aconteceu com a mãe tendo apenas seu computador e a internet para lhe auxiliar nessa investigação. E por mais que a estética de Desaparecida, assim como em Buscando…, pareça ser a chave do filme, o verdadeiro show está, não só na trama bem escrita e surpreendente, como no cuidado de como constrói toda essas situações. E nos dois casos a precisão continua sendo incrível.
Não há nada que fique de fora desse espetáculo multitarefa de janelas abertas, programas e aplicativos criando um mosaico de informações e referências que vão seguindo por um caminho que a primeira vista pode parecer complicado, mas vai se costurando de um modo satisfatório, inteligente e preciso.
Se em um momento logo no começo a impressão é de um caminhão de informações, iscas e referências, não se preocupe, tudo aquilo será resgatado em algum momento. O dramaturgo Anton Chekov apontava lá ainda no século 19 que se a atenção do espectador for levada à alguma coisa e aquilo não for usado na trama depois, aquilo não deveria existir. O objeto de seu exemplo era uma espingarda, o que fez sua teoria ficar conhecida como “A Arma de Checov”. Desaparecida não só segue isso à risca, como faria Checov pular de alegria.
Enquanto o russo está feliz onde quer que esteja, o espectador estará afundado em sua poltrona preso ao monte de reviravoltas e surpresas de Desaparecida. Tudo com aquela impressão de unidade que só um bom roteiro consegue proporcionar. Isso sem nunca esquecer a ideia inicial do filme e o quanto ele precisa estar preso a esse computador, e nisso ele também infalível.
Desaparecida vai além de Buscando…, tem mais interação, mais telas e mais possibilidades em termos de internet e comunicação digital, sinal da evolução rápida dos tempos e também do cuidado dos realizadores em fazer um filme que, assim como o outro, seja um retrato dos dias atuais e de um computador nas mãos de uma jovem que nasceu de frente para uma tela e não teria dificuldade nenhuma de “navegar” por ele em uma velocidade e precisão que 30 anos atrás só era imaginada por hackers. A dupla de diretores sabe disso e deixa isso transparecer.
Em nenhum momento de Desaparecida o espectador duvidará de toda aquela interatividade e, junto com o barulho do teclado, faz com que toda imersão seja, talvez, a grande estrela do filme. Do lado de cá na tela, todos se sentirão dentro daquela história. Parte disso ainda só funciona graças ao esforço de adaptação do filme para o português que traduz absolutamente todas mensagens que pulam pela tela enquanto a protagonista investiga o desaparecimento da mãe. E acreditem, é uma tonelada de informações trazidas para a nossa língua e que permite que o filme seja aproveitado na sua completude por quem não domina (ou arranha) o inglês.
E tudo isso só funciona tão bem graças ao trabalho incrível de montagem da dupla Austin Keeling e Arielle Zakowski. Manter todas aquelas telas, informações e destaques em pé acaba sendo um trabalho delicado e que, se mal feito, poderia colocar o filme inteiro a perder. Curiosamente, a dupla de diretores de Desaparecida cumpriu essa função em Buscando…, o que confirma a importância de conseguir juntar todas essas peças e fazer tudo ter sentido, mesmo diante da quantidade exorbitante de informações, detalhes, cliques e senhas digitadas.
Ao mesmo tempo, a direção, junto com a montagem, tem o bom-senso de saber desacelerar o ritmo para valorizar momentos mais delicados, como enquanto a filha descobre o relacionamento da mãe, ou uma surpresa quase estática lá para o final do filme. Nos dois casos e ainda nos outros 90% de tempo de tela, Storm Reid comanda o filme e consegue passar segurança, emoção e qualquer outro sentimento necessário para a personagem, tudo em um espaço diminuto e com pouco tempo de absorção, já que está sempre presa a uma tela de computador ou de relance digitando algo.
Mas a cola que liga isso tudo é a óbvia vontade de Desaparecida de manter a ideia do “primeiro filme” e ir ainda mais longe do que o outro o fez, sem nunca se importar que isso possa ser encarado como uma cópia, mas uma cópia bem feita, com uma história ainda mais cheia de surpresas, mais tensa e que deverá divertir demais os espectadores que se deixarem levar por esse suspense sufocante e divertido.