Desperados passou pelo “Top 10” dos últimos dias na Netflix, e desde que eles inauguraram essa lista fica mais claro o perfil do espectador médio. Pode ser uma surpresa para alguns, uma constatação para outros (para mim foi uma constatação). O que me leva a certeza que não gostei do filme por ele próprio e pelo que ele representa.
Ele representa filmes feitos às pressas, sem carinho e nem motivo, exceto o comercial. Ele é fácil demais para nos envolvermos, e esse é o nível de risco que as produtoras de streaming na maioria dos filmes está disposta a correr: não se envolva muito e assista à próxima atração. Quem gostaria de viver assim se não estivesse condenado ao sofá da sala?
Sejamos adultos: ao começar o filme todos nós já sabíamos que seria uma história feita para criar momentos engraçados, mas não muitos, e que no final os dois que pensamos que iriam ficar juntos realmente ficam. Não estou tentando dizer nada sobre isso, até porque chamar de spoiler filmes como esse é um insulto aos verdadeiros spoilers. O que quero é apenas desenvolver a resposta para a seguinte pergunta: é assistindo filmes como esse que você quer passar sua noite de domingo?
Sobre as “surpresas” escondidas no filme, pelo menos eu garanto que você não pensou que encontraria, no meio da história, momentos constrangedores em que todos em um resort observam um garoto de uns dez anos beijar uma mulher adulta e depois uma briga entre essa mulher e a mãe da criança a acusando de pedófila, certo?
E, desculpem os spoilers, mas volto a perguntar: é esse o tipo de entretenimento que você espera no final do seu domingão? Não há um pingo de remorso em perder horas de sua vida. Horas essas que poderiam ser melhor gastas assistindo qualquer comédia estreando Tina Fey ou dirigido pelo sempre ótimo Paul Feig, ou até mesmo besteiróis com Adam Sandler?
Se você não reparou, estou sugerindo que Adam Sandler pode ser preferível a este filme. Sim, este é o nível de desespero que ele lhe traz em uma noite de domingo. Estou falando sério: eu realmente entendo o título deste filme.
Agora talvez você esteja pensando “quando ele irá dizer a sinopse”, mas você espera isso como parte da fórmula de um texto sobre um filme, e não como algo de fato necessário em filmes de streaming, certo? Quero dizer, como toda produção do nicho, existe um trailer de, sei lá, meia-hora, que já vai te contar não apenas todas as boas ideias que ficaram (e nunca mais saíram) na sala dos roteiristas, mas também o começo, o meio, a reviravolta e o fim da história. Ironicamente, o próprio trailer acaba sendo um trabalho mais coeso e mais divertido que o próprio filme, com um começo, meio e fim satisfatórios. Então antes de continuar este texto te peço um favor: assista o trailer.
Talvez com mais pessoas assistindo apenas ao trailer eu comece a escrever críticas sobre essas pequenas obras-primas de filmes que não existem em lugar algum. E eles são longos o suficiente e mais diversos que o conteúdo que anunciam. Não precisarei também passar pelo embaraçoso momento de uma mulher adulta sendo acusada de pedofilia com um garoto de dez anos.
Ou, vejamos pelo lado bom, se essa cena estiver no trailer, ela ao menos parecerá engraçada. Trailers possuem uma magia em sua confecção: eles criam em nossa mente um filme imaginário que é muito melhor que o produzido.
Agora vamos reparar em detalhes mais interessantes que a história. Veja, por exemplo, quantos cortes são necessários para fazer uma cena de diálogo entre duas pessoas. Entre a protagonista e seu pretendente. O de verdade interpretado forçosamente por Lamorne Morris, não a isca ridícula interpretado de maneira automática por Robbie Amell.
Minha reclamação é justa. A bela Nasim Pedrad (de Aladim) e o simpático Lamorne Morris (do seriado New Girl) são bons atores, e poderiam sem problemas ensaiar alguma química na frente das câmeras. Se eles estivessem no mesmo lugar ficaríamos felizes com seu relacionamento que está começando, e mesmo com piadas sobre pedofilia e empregados mexicanos que pegam a bolsa das clientes sem permissão, acabaríamos a sessão da tarde/noite de domingo com um pouco de esperança no mundo lá fora, um mundo no momento apenas imaginário, por causa do isolamento, mas ainda assim uma esperança.
Do jeito que o filme é montado, a cada ligeira fala há um corte que separa os atores, e consequentemente os personagens que queremos ver juntos. Um corte a cada um segundo e meio, mais ou menos. E não há linhas muito longas nem memoráveis, o que faz o pingue-pongue de falas insuportável.
Sem os malditos cortes e com dois bons atores em cena, pelo menos eles estariam ali em alma, e mesmo que quietos, um sentado do lado do outro, seria melhor do que tantos diálogos indizíveis. Estariam mais conectados em silêncio do que trocando percepções banais sobre a vida. Com os cortes frenéticos a vida, que já é frenética, fica mais dura e áspera. Em tempos de quarentena é ofensivo constatar que nos filmes feitos para a TV, onde pessoas já costumam assistir sozinhas no sofá da sala ou no celular na cama, os personagens daquela história de mentirinha feita apenas para passar o tempo estão igualmente distantes e isolados um do outro.
Quando vemos o rosto de um, vemos a cabeça do outro, e não há espaço para entendermos a reação ao que cada um diz. São falas automáticas de quem está com uma agenda apertada. E nem no nosso momento de lazer, em puro deleite banal de uma historinha medíocre, as pessoas podem se dar ao luxo de estar no mesmo quadro, de frente para a mesma câmera. Não há esperança no streaming para a humanidade.
O beijo é dado. A câmera se distancia. Não conseguimos nem ver de perto. A música esquecível sobe. E ao subir dos créditos da tela preta ficamos sem qualquer sinal de que vai ficar tudo bem. A única mensagem que fica é que domingo está acabando e amanhã tem trabalho pela frente, dessa vez sentado na cadeira do escritório em casa ou no meio da bagunça familiar tentando se concentrar, ou até no mesmo sofá de entretenimento nos fins de semana.
Independente do seu nível de conforto em seu home office improvisado, nossa vida não melhorou em nada vendo Desperados. Nenhum peso sumiu de nossas costas. Apenas bits e bytes foram gastos vindo dos computadores do serviço de streaming para as luzes da sua tela ou telinha, iluminar nossas inertes, paralisadas faces, frente ao paradoxo do entretenimento que sequer entretém dos nossos tempos.
“Desperados” (EUA, 2020), escrito por Ellen Rapoport, dirigido por LP, com Nasim Pedrad, Anna Camp e Lamorne Morris.