Por não confiar na minha boa memória, sou obsessivo com listas. Tenho uma agenda de papel para anotar tarefas do dia, da semana e do mês. Não posso esquecer das obrigações profissionais, nem das pessoais. Sei que as chances de esquecer são baixíssimas, mas a lista é o meu colete salva-vidas no mar raso dos dias comuns. Quando ouço o ditado “um homem prevenido vale por dois”, tento fugir do pensamento intrusivo de quantos sou. Dois, um encarando o outro? Três, quatro?
Quando vou ao mercado, levo a lista de compras revisada e revista e debatida mais de duas vezes. Não pode faltar nada, melhor não sobrar muito. Uso uma caneta colorida para destacar aquilo que não é prioritário. Serve para os erros de cálculos. Se o saldo na conta não permite comprar tudo o que está no carrinho, descarto os itens escritos em cor verde ou vermelha. Em azul, ficam os produtos prioritários do dia a dia. Na cor preta, estão os pontos de atenção, como quantidades diferentes do habitual em outros meses ou a necessidade de trocar a marca do sabão em pó para não cair na armadilha da propaganda de quem não rende tanto assim.
Listo numa planilha de Excel os dias que tomo remédios para dor de cabeça. Há muito tempo, um podcast relacionado a saúde me alertou: mais de cinco comprimidos no mês servem de alerta e dez dores de cabeça forte num período de trinta dias exigem a ida a um médico para melhor investigar as causas. Pode existir uma doença por trás das dores. Pode ser mais que o estresse e a descarga de ansiedade. Como bom hipocondríaco, tempos atrás fiz exames para dormir em paz e o médico informou que as minhas dores de cabeça não passam de períodos de estresse e de descargas de ansiedade.
Já tive blocos de notas para não perder de vista as indicações de bons livros. Nos bloquinhos soltos-mas-organizados espalhados na minha mesa, também anoto filmes. Séries, não. Essas exigem tempo e dedicação. Quando embarco, a viagem dura meses. Filmes podem ser uma piscina rasa ou águas profundas, mas volto à superfície depois de duas horas ou mais, ou menos.
No meu bloco de anotações com filmes para assistir, as produções estão separadas por streaming. De alguns, sou assinante. De outros, compartilham a senha. Sou humano. Tenho medo de olhar para esses rabiscos e me sentir cobrado. Não quero perder esses filmes de vista, mas não quero tratá-los como uma tarefa exigindo produtividade. Talvez essa lista nunca chegue ao fim. Penso numa frase: “o mundo é mais água do que a gente consegue beber”.
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Cena de uma sexta-feira ou sábado à noite: o casal quer ficar tranquilo e sem gastar dinheiro, escolhe o quarto ou a sala para ver um filme ou começar a maratona de uma série nova. Não pode ser tão tiro-porrada-e-bomba como uma parte deseja, nem tão intelectualizado como a outra parte ama. O casal faz login no streaming e aparecem listas e mais listas: os mais assistidos, os indicados para o seu perfil, os lançamentos, os aclamados pela crítica, as sugestões, os continuar assistindo, os filmes de época, os filmes baseados em fatos reais, os premiados, as comédias, os de terror, os de ação, os de suspense, os dramáticos, os para a família, os picantes, os campeões de bilheteria, os da sua lista, se o casal for do tipo que faz listas de filmes. O casal zapeia pelo controle remoto. Uma parte sugere um filme que a outra parte já assistiu. A outra parte indica um bom filme que é parado demais para uma parte. Uma parte lembra que saiu uma temporada nova daquela série vista junto com a outra parte, porque assistir episódios longe da parte amada é visto como um tipo de traição. Pronto. Enfim, uma unanimidade. Nenhuma das partes viu esse. Todo mundo está falando. As duas partes terão assunto no horário de almoço da segunda-feira. Antes de dar play, uma parte vai ao banheiro e a outra parte pede uma pizza. Na hora de dar play, já se passaram 40 minutos desde a ideia de ver um filme no streaming. Os últimos 40 minutos do filme são perdidos para o sono. Ver um filme no streaming nem chega a ser uma desculpa para fazer outras coisas, você sabe quais.
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Quando começa a temporada de premiações, minha obsessão por listas tem a chave do portão de casa e chega a hora que quer, sem dar boa tarde ou satisfações sobre onde esteve nas últimas horas. Crio uma lista específica para filmes do Oscar e pauso a lista de filmes para assistir durante qualquer época do ano.
Tento não ficar ainda mais obsessivo ao pensar em ver um filme da primeira lista depois de um dia pesado, porque mais pesada pode ficar a minha consciência se eu não ver um filme indicado às principais categorias do Oscar. Às vezes, encaro os créditos subindo a tela depois de duas horas de uma produção fraquinha, sofrível, que nas minhas considerações leigas não merecia estar entre os mais cotados. Mas o esforço compensa pelo risco feito na lista. Respiro aliviado.
Durante a temporada de premiações e enquanto assisto à transmissão do Oscar, quero ter um suposto embasamento para discordar dos comentaristas da televisão. Não ganho nada com isso, só a satisfação de cumprir um ritual. Talvez sem sentido, talvez esquisito, mas um ritual particular.
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Meu Amigo vê muitos filmes. Pelas nossas conversas, devem ser uns dois por semana. Volta e meia, indica este ou aquele. “Muito bom, vale a pena assistir”, me diz. O fato de não existir a menor possibilidade de dar play nas bombas atômicas que ele elogia nunca afetou a nossa amizade.
Num churrasco recente, o Meu Amigo fez questão de alertar as pessoas presentes que a Série Brasileira da Moda era um desperdício de tempo. Que o grande sucesso era um delírio coletivo. Que as atuações eram péssimas. Que o roteiro parecia escrito por um estudante do Ensino Fundamental. Que ele só chegou até o fim porque a Esposa do Meu Amigo é o tipo de pessoa incapaz de interromper a leitura de um livro ruim ou largar no meio do caminho uma série meia-boca. Que só “essa gente metida a intelectualizada” (apontando para mim) conseguia achar um mínimo de qualidade naquilo.
Pensei honestamente que a nossa amizade seria afetada quando foi a minha vez de falar. Disse aos presentes que existiam duas opções: dar crédito à minha indicação ou à repulsa do Meu Amigo à Série Brasileira da Moda, considerando que ele acha a Adriana Esteves e o Murilo Benício dois péssimos atores, que não entende como conseguem papéis em grandes produções brasileiras, que fica indignado quando os dois aparecem recebendo premiações diversas. Fui pegar mais uma cerveja e duas ou três pessoas presentes me disseram, discretamente, que assistiriam à Série Brasileira da Moda.
Meu Amigo acha o Oscar uma porcaria. Se tocamos no assunto, ele vira os olhos. Coisa de gente metida a cinéfila, diz. Como um político pedindo votos em cima de um palaque, continua: a tal da Academia nem sempre segue critérios técnicos, volta e meia vai para onde a maré está levando, existe muita politicagem e muita sacanagem em Hollywood, um monte de coisa que não dá para concordar nem aceitar se queremos um mundo mais civilizado.
Além de muitos filmes, o Meu Amigo também vê muitos jogos de futebol. Um fanático, adorador do esporte. Se estiver sem fazer nada em casa, deixa a televisão ligada em partidas de qualquer divisão de qualquer campeonato do mundo. Sabe a escalação de todos os times, as histórias, os grandes nomes e feitos. Meu Amigo não deixa de acompanhar futebol, mesmo sendo politizado, mesmo com tantas mazelas no esporte, mesmo com tantas sacanagens dentro e fora de campo, mesmo ciente das culturas retrógradas desse meio, mesmo com os absurdos das federações pelo Brasil e pelo mundo, mesmo que as premiações para os melhores do ano nem sempre atendam apenas a critérios técnicos em cada voto.
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“O mundo é mais água do que a gente consegue beber”. Não vou ler todos os livros indicados. Dificilmente chego ao fim da lista de filmes recomendados. Não dá tempo, as prioridades mudam, a vida é dinâmica demais para listas. Mas sempre termino a lista de filmes do Oscar e jogo o bloquinho dentro da pasta de anotações, um arquivo pessoal.
Na outra lista, os primeiros filmes escritos à mão estão bem alinhados, sempre na mesma cor azul. No canto, pertinho da margem, os filmes também escritos à mão se espremem, são indicações avulsas registradas na cor da caneta que estiver mais próxima do bloquinho.
Num dia de ressaca pós-crise de ansiedade, mentalmente faço elogios exagerados à racionalidade. Rasgo o bloquinho onde anotei tantas produções audiovisuais. Vou ver a hora que der, quando puder, o filme que estiver no clima de assistir no momento. Também jogo esse outro bloquinho fora, com a certeza de que daqui a uns meses, ou semanas, ou dias, vão me indicar um ou outro filme, para uma recaída me obrigar a criar outra lista interminável.