Um certo dia uma menina da cidade grande foi parar na casa do pai, em um buraco qualquer no interior cheio de florestas dos Estados Unidos. Lá, ela se apaixonou por um vampiro meio languido e sem graça, enquanto teve que enfrentar a tentação do lobisomem sem camisa apaixonado por ela. Nesse momento a cultura pop descobriu que seu público ansiava por protagonistas femininas (mesmo com Bela sendo fraquinha e bobinha). Divergente é o próximo passo nesse repetição exaustiva das adaptações para o cinema de séries literárias adolescentes.
O curioso é que o filme segue o rumo de um outro “filho do Crepúsculo”, o muito melhor e mais inspirado Jogos Vorazes. Com aquela fórmula de futuros distópicos, líderes opressores e uma protagonista que se torna a última esperança do mundo livre. Nesse caso um sistema de castas (eles chamam de Facções) que foi criada como resultado de uma guerra que desolou o mundo.
Bem verdade você não sabe que guerra foi essa, nem como chegaram nessa conclusão, muito menos se o resto do mundo está como Chicago, cercado de um “mar seco” e protegido por uma enorme muralha . Tampouco essa ausência de água é citada durante a introdução, desenvolvimento ou qualquer outro momento do filme. Nada é muito citado e explicado, somente que a atual Facção Abnegação é a líder dessa Cidade Estado, cuidando dos pobres, sem vaidade e cheios de boas intenções. Entretanto, tudo tem um “mas”.
Mesmo perfeitos, ainda assim uma outra dessas castas, formados por um bando de gente esnobe e de terno que afirmam serem melhores que os outros, faz de tudo para tirar o grupo de comunistas vestindo tons pasteis do governo. E no meio disso tudo está Beatrice, filha de um dos líderes da Abnegação (ou simpaticamente chamados de “os caretas”) que no momento em que vai fazer uma espécie de teste que “dita” seu futuro, acaba descobrindo que é, na verdade, uma divergente, espécie de pessoa que se encaixa em todas castas. Um problema para uma sociedade pragmática.
Beatrice então se torna Tris e decide ir para a tal da Audácia, uma terceira facção, a mais descolada entre as cinco, que vive correndo pelas ruas como um bando de idiotas, subindo pelos postes e vestindo apenas tons de preto com as golas levantadas. As outras duas Facções, bom, elas estão lá na introdução, mas não se preocupem que elas não servem para nada.
E se isso tudo ainda é pouco clichê para você, Divergente aposta em uma trama longa e chata sobre a chegada de Tris nessa facção, seu esforço para enfrentar os desafios sem ninguém perceber que ela é um divergente e ainda a descoberta de um grande amor. Isso mesmo, diretamente lá do “pessoal do vampiro”, Tris precisa perder todas sua personalidade (até queimar sua roupa, fazer uma tatuagem e negar suas raízes) para ser aceita nesse grupo. E sim, isso é o retrato de uma personagem feminina que soa como forte em um primeiro momento, mas é retratada como apenas mais uma imbecil sem personalidade.
Pior ainda, enquanto “subdesenvolve” esse momento entediante de descoberta, o filme assinado (film by) por Neil Burgues (que você não conhece, mas como ele faz tanta questão de ser o culpado de tamanho desastre, azar o dele!), vai sacando subtramas sem qualquer preocupação em apresentar nada. De uma hora para outra surge um soro que permite todos verem os pensamentos de todos, um outro de obediência e uma trama política que empurra todos para esse terceiro ato corrido e cheio de tiros de laser e personagens morrendo sem a mínima atenção do diretor. Tudo soando meio apressado e sem preparação, como se, de uma hora para outra, “Divergente” se irritasse com o próprio marasmo e tentasse engatar a segunda marcha. Ainda que isso lhe permita apenas dar de cara com um muro (talvez até mesmo aquele que rodeie a cidade).
Pior ainda, o roteiro de Evan Daugherty e Vanessa Taylor (e talvez o livro de Veronica Roth, já que quem não leu vai ficar com a impressão de no livro ser semelhante) nem se preocupa em estender o que parece ser o gancho principal do livro. Em nenhum momento a “persona divergente” de Tris parece estar em risco, a não ser quando é necessário correr sob um monte de tiros para salvar o mundo no último segundo.
E se você olhar para o cartaz e encontrar o nome de Kate Winslet em algum canto, não se engane, você não vai entender por que razão ela está (talvez para pagar o aluguel). Ainda mais com o resto de um elenco tão fraco, que junta quatro ou cinco jovens atores que você irá ouvir falar nos próximo anos, mas que não tem material nenhum com que trabalhar. Vagando entre esteriótipos e frase feitas, e culminando em uma vilã (Winslet) que precisa contar todo seu plano (obvio, ainda que mirabolante) para a “mocinha” ao invés de simplesmente colocar uma bala na testa dela. Um destino que seria doloroso, mas é o mesmo que grande parte dos espectador irão preferir ao final de Divergente.
“Divergent” (EUA, 2014), escrito por Veronica Roth (livro), Evan Daugherty e Vanessa Taylor, dirigido por Neil Burger, com Shailene Woodley, Theo James, Ashley Judd, Jai Courtney, Ray Stevenson, Miles Teller, Ansel Elgort e Kate Winslet