É interessante perceber o quando Divertida Mente 2 se permite sacrificar boa parte de sua construção para tentar chegar apenas em um lugar. Parece pouco, mas é muito. Grande o suficiente para encher o filme de tantas camadas, significados, lições e esperanças, que vale cada segundo que parecia seguir para um lugar sem graça.
Esse desinteresse aparente vem com um começo que parece óbvio e que segue por uma reviravolta que todo mundo imaginava que aconteceria. Também lida com uma trama meio drama adolescente bobinha do lado de fora da cabeça da Riley, o que reflete em uma aventura onde os sentimentos do primeiro filme precisam cruzar toda mente da garota para salvar o “Senso de Si”, uma espécie de conjunto de suas convicções. Tudo soando meio óbvio e sem graça.
O roteiro é escrito por Meg LeFauve (do primeiro), agora em parceria com Dave Holstein e a ideia parece ser bem diferente do primeiro. Riley agora tem 13 anos e conseguirá participar de um final de semana de testes para o time de hóquei do ginásio, mas descobre que uma surpresa com suas melhores amigas, poderá fazer com que aquele seja o último final de semana delas juntas.
Já do lado de dentro da cabeça de Riley, o botão da adolescência se torna apenas um sinal de que Alegria, Nojinho, Tristeza, Raiva e Medo, terão companhia. Ansiedade, Inveja, Tédio e Vergonha precisam comandar essa nova fase de Riley e acabam expulsando os sentimentos para fora da sala de comando, o que dá início a toda aventura.
Mas ela parece realmente mais comum do que o filme merece, principalmente em comparação com a complexidade do primeiro. Ainda que certas analogias entre as opções de Riley e o reflexo em sua mente continuem sendo requintados e inteligentes, deixando espaço, tanto para os espectadores menores se divertirem, quanto os mais velhos se deleitem com a complexidade de certas decisões. O vale criado pelo sarcasmo é uma pérola. A pequena participação da Nostalgia é deliciosa. Assim como as projeções que movem a Ansiedade. Tudo absolutamente abstrato, mas ganhando um tom tão concreto que faz o tempo do filme onde pouco acontece, ser um prazer.
Isso porque o filme é apenas uma grande preparação para um terceiro ato absolutamente poderoso, delicado, emocionante e absurdamente realista, mesmo diante de algo intangível. Talvez qualquer detalhe além disso possa soar como “estraga prazer”, então é melhor esperar sabendo o mínimo possível. Mas o que se poder afirmar é o quanto Divertida Mente 2 aceita transformar em ação algo tão subjetivo, transformando a ideia em quase metafísica, já que será possível discutir tudo aquilo que acontecer nos momentos finais do filme por um bom tempo.
A diretora estreante em longas, Kesey Mann, que vem de mais de duas décadas trabalhando com animações em diversas funções, entende perfeitamente bem a ideia do roteiro e não deixa que isso seja um empecilho à qualidade de seu filme. Por mais que na maioria do tempo Divertida Mente 2 não seja empolgante, seu objetivo visual é deixar o tempo passar com as “brincadeiras” sobre o quanto o imaterial pode ser divertidamente material dentro da cabeça da Riley. O que pode parecer bobinho a primeira vista em certos momentos, é apenas uma preparação.
Enquanto no primeiro filme a ideia de entender a importância de um sentimento se estendia por toda aventura, agora Riley se tornou uma adolescente e tudo está muito mais bagunçado. É dessa mistura de sentimentos novos que surge essa ansiedade, que parece realmente estar preparada para tudo que pode estar por chegar, mas tudo pode chegar, e quando chega, talvez ninguém esteja preparado para lidar com isso sozinho ou sozinha. Talvez essa seja a principal lição de Divertida Mente 2.
Por mais que ela pareça ser o mesmo ensinamento do primeiro, agora tudo está diferente. Entender o papel da ansiedade em toda essa equação é uma experiência absolutamente única e emocionante. Um aperto no coração que colocará todos dentro daquele lugar. Um momento onde na sala de controle de todos espectadores a tristeza tomará conta e todos vão se lembrar daquilo que se aprendeu no primeiro filme. É lógico que depois tudo fica mais alegre, mas é preciso entender a importância de cada um daqueles sentimentos, mas nunca se deixar levar apenas pela possibilidade de não ter esperança ou preferir ignorar o melhor combustível que todos temos para criar cada “Senso de Si”.
Tudo bem que isso pode soar como um spoiler, mas não tem problema, a emoção será a mesma. O aprendizado será o mesmo. No final das contas Divertida Mente 2 deixará um pedacinho de mudança em cada um, assim como o primeiro já fazia. Realmente dois criadores de “Sensos de Si”.
“Inside Out 2” (EUA, 2024), escrito por Meg LeFauve, Dave Holstein e Kelsey Mann; dirigido por Kelsey Mann; no original com vozes de Amy Poehler, Maya Hawke, Kansington Tallman, Liza Lapira, Tony Hale, Lewis Black, Phyllis Smith, Ayo Edebiri, Lilimar, Grace Lu, Summyya Nuriddin-Green, Paul Walter Hauser, Diane Lane, Kye Maclachlan e Adèle Exarchopoulos.