[dropcap]D[/dropcap]jon Africa oferece ao espectador médio em sua camada principal, a “historinha”, a aventura de Djon em busca de suas origens, em busca do pai. Mas apesar da atuação curiosamente familiar de Bitori Nha Bibinha em uma busca eterna, não é isso o que torna o filme fascinante; é o que vem depois.
Ambientado em Portugal e em sua maior parte em Cabo Verde, o roteiro de Filipa Reis e João Miller Guerra conta a história de Miguel “Tibars” Moreira, ou “Djon Africa” (e mais uns dois nomes que ele usa no Facebook). Ele nasceu em Cabo Verde mas logo imigrou para Portugal, passando toda sua vida por lá, vivendo com sua vó fazendo bicos e pequenos furtos em lojas de shopping com sua amiga. Até que encontra uma mulher na rua que jura ter visto o pai dele em Cabo Verde. E é aí que surge a busca de Djon por esta colônia portuguesa.
Esta ficção dos documentaristas João Miller Guerra e Pedro Pinho possui a enorme vantagem de ser filmado de maneira naturalista, quase como um documentário, o que dá autenticidade à busca mantendo o pano de fundo de uma aventura além-mar. Os enquadramentos da dupla de diretores favorece o uso da paisagem como parte do que torna Djon uma figura da natureza. O personagem mesmo não importa, mas sim suas origens. E suas origens, como vamos aprendendo com o filme em sua segunda camada, não quer dizer apenas quem é seu pai, mas quem é seu povo, sua terra, sua língua, cultura e que remete até aos nossos descendentes mamíferos e répteis, cujos cérebros foram nosso primeiro modelo de realidade.
Sim, o filme vai bem fundo nessa busca para quem entende sua proposta. Djon acaba de chegar em sua terrinha e pede um “grogue” (uma dose de aguardente de cana). Assiste casualmente à TV que fala sobre a formação do nosso cérebro. Em seguida ele participa do rito funerário de um ano de falecimento de sua tia, faz amizade com três garotas em direção à região onde parte de sua família deve estar e festeja despreocupadamente com os nativos da região. Djon está inserido em seu meio porque ele é o próprio meio.
Quando conhece a antiquíssima e legítima senhora que vive entre as montanhas cuidando de seus animais e se alimentando de cachupa, a comida típica de Cabo Verde, baseada em milho e grãos de feijão (que ela mesma planta e prepara), a transição de Djon é completa. O espectador deve sentir isso, pois sua busca se expandiu além do pai; virou a velha pergunta filosófica “quem sou eu?” e suas infinitas tentativas de resposta.
Para isso, voltando aos enquadramentos do filme, a paisagem beira-mar resgata a própria origem da vida, centenas de milhões atrás, e posiciona Djon como mais um elemento da natureza. E a língua portuguesa evoluída dentro de Cabo Verde exige mais legendas aos brasileiros que o próprio português de Portugal (que já é complicado), pois há palavras e expressões que perderam o vínculo com a mesma língua do novo continente, mas que misticamente mantém o seu poder expressivo dos fonemas que nós, falantes, tanto estamos habituados. É uma viagem histórica na própria origem do idioma, também.
No final, temos uma tomada estática que retorna à cidade, e que por demorar demais traz um significado a mais do que o simples passar dos transeuntes. Note como o foco vez ou outra captura as pessoas indo e vindo, enquanto todo o resto permanece desfocado. A história de Djon, como pode perceber, é apenas mais uma. Nós, humanos, estamos nessa busca por nossas origens, ou quem somos, do nascimento à morte. Djon Africa é essa busca que parte do particular para o universal. E é aí que o filme transcende.
“Djon Africa” (Bra, Por, CV, 2018), escrito por João Miller Guerra e Pedro Pinho, dirigido por Filipa Reis e João Miller Guerra, com Bitori Nha Bibinha, Isabel Muñoz Cardoso, Miguel Moreira.