Dupla Explosiva pega carona na atmosfera cômica e absurda de Dois Caras Legais (Shane Black, 2016) e se dá muito bem com isso. O resultado é um filme de ação que consegue ser tenso, com uma história que nos envolve e ainda protagonizado por personagens carismáticos.
O roteiro é traçado rapidamente por cortes rápidos e muitas transições inteligentes. A primeira delas começa na cena inicial, onde vemos o imponente relógio do guarda-costas “Classe AAA” Michael Bryce (Ryan Reynolds) que está começando seu dia como uma pessoa de sucesso, tomando seu café, beijando sua esposa perfeita e dirigindo seu Jaguar impecável. E foi justamente este o dia em que ele perdeu um cliente e sua reputação “triple A”. E a continuação do filme, dois anos depois, agora tem um Ryan Reynolds mijando em garrafas de Gatorade esperando seu cliente no banco de trás de um carro que “cheira a bunda”, o que irá se tornar uma piada recorrente.
A passagem visual dos dois anos não poderia ser melhor para um filme ágil como esse. Nosso guarda-costas agora está com a barba por fazer e a mesma feição de derrota que deixou dois anos atrás. Ele usa o mesmo relógio, agora riscado e surrado, e salva advogados de terceira classe. Ele continua bom no que faz, mas sem a mesma glória. E ele está ressentido com isso. Quer uma prova visual? A expressão sarcástica de Reynolds comentando sobre a cor lavanda do Jaguar customizado do seu cliente que acabara de explodir. Ah… vemos uma roda em chamas passando pelo fundo.
É esse tipo de timing cômico e absurdo que recheia uma história não lá muito realista nem criativa, mas cheia de bons momentos. Reynolds é a escolha correta para este papel. Forte, bonitão e com sua cara de cachorro abandonado, consegue preencher a persona arrogante e patética de Ryan Gosling no filme de Shane Black sem soar limitado. Parte disso é graças às sarcásticas falas do roteiro de Tom O’Connor, que depois de estrear em Fogo Contra Fogo de Bruce Willis, realiza seu segundo trabalho.
Se seria um desperdício ver Ryan Reynolds mais uma vez em um papel romântico ou cômico, aqui em um filme de ação ao lado de Samuel L. Jackson o conceito muda de figura. Mr. Jackson, aliás, aparece quase atrasado no filme, mas rouba a cena naturalmente assim que aparece. Ele é o assassino profissional Darius Kincaid, testemunha-chave de uma corte internacional que está julgando um ditador genocida de um país da ex-União Soviética (Gary Oldman, mais uma vez “camaleonesco” e ótimo nos papéis que parecem só poder ser de Gary Oldman).
Dado o caráter do filme eu faria uma pequena correção geográfica, nomeando o país do tal ditador com um título não-específico, mas caricatura parece ser o objetivo da produção. Infelizmente, por outro lado um filme que tenta ser um pouco sério demais em alguns pontos, mas em outros deixa uma arma disparada acidentalmente incendiar uma vã. E no meio entre um e outro temos uma coleção de falas que Samuel L. Jackson diz com propriedade e um sarcasmo oculto. Ele se diverte à beça e no processo diverte o espectador.
Curioso que esta “dupla explosiva”, depois que se junta, não parece que irá funcionar muito bem. Mas é aí que está o truque. O filme não tem pressa em desenvolver esta relação e vai encontrando um motivo diferente do que você esperaria em um filme cheio de corpos caindo no chão: o amor. E antes que você imagine um uso bizarro e nada orgânico para o uso do amor, como na ficção-científica (!) Interestelar, fico feliz em dizer que o momento em que vemos o flashback do primeiro encontro entre L. Jackson e sua mulher é a síntese perfeita sobre o porquê existir este filme e porque, mesmo batida, é trilha sonora funciona maravilhosamente bem.
Mas antes que a imaginação do leitor produza um filme com muita história e pouca ação, posso afirmar que ela existe, é bem coreografada e editada. Pode ser um exagero, ainda mais se passando nas ruas de Amsterdã, mas é um exagero com estilo. Até o momento clichê em que o mocinho desiste e fica de costas para a ação tem estilo. Sem esquecer as cenas-absurdas e ainda dois planos-sequência de ação de câmera tremendo que consegue constituir o segundo momento mais inspirado do longa. O primeiro ainda é o encontro de Mr. Jackson e sua mulher.
E por falar em sua mulher, Salma Hayek está bem, se mostra à vontade e também rouba a cena em seu pouco tempo de tela. Menos momentos marcantes têm a esposa de Ryan Reynolds, interpretada pela belíssima Elodie Yung e sem muito o que fazer presa em sua função burocrática de aguardar pelos dois no tribunal.
Seja pela ação ou pelos bons atores, Dupla Explosiva com certeza é um programa sessão da tarde acima da média. O que é inusitado. A possível tendência iniciada com a dupla Russel Crowell e Ryan Gosling parece ter despontado um pouco de ar fresco para o saturado gênero de ação. Aguardemos pela próxima dupla dinâmica.
“The Hitman´s Bodyguard” (EUA, 2017), escrito por Tom O´Connor, dirigido por Patrick Hughes, com Ryan Reynolds, Samuel L. Jackson, Gary Oldman, Salma Hayek e Elodie Yung