A semana acordou com um pedido da titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares Alves, quer a “suspensão da veiculação do filme Lindinhas, estreia da Netflix e que você pode ler meus comentários aqui e o vídeo sobre o mesmo, no canal do CinemAqui no Youtube.
De acordo com o pedido na ministra, o filme “apresenta pornografia infantil e múltiplas cenas com foco nas partes íntimas das meninas enquanto reproduzem movimentos eróticos durante a dança, se contorcem e simulam práticas sexuais”. É lógico que não existe esse item no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) escrito desse jeito, então eles apontam o Artigo 240, que define o crime como: “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfico, envolvendo criança ou adolescente”.
Na sequência, no artigo 241, o ECA ainda fala sobre “vender ou expor à venda” do material, assim como penas para “oferecer, trocar, disponibilizar” etc.
Absolutamente nada disso acontece em Lindinhas.
A teoria da conspiração americana
A polêmica começou nos Estados Unidos e não demorou muito para chega por aqui. Na verdade por lá ela já tem um tempo, e ela só merece ser conversada por aqui, pois envolve Hollywood, então a gente pode falar um pouco sobre esses imbecis. Sim, pode parecer exagerado o tom, mas acredite, ele se encaixa perfeitamente bem aqui.
Essa onda começou em 2017 com um misterioso perfil anônimo chamado “Q”. A figura se dizia uma espécie de profeta e apontava uma série de teorias contra os democratas americanos. Na verdade, uma celebração às ideias mais sinistras e esquisitas que tomam conta de uma parcela bem ampla da chamada “alt-right”, que poderia ser traduzida para o Brasil como uma “extrema direta”. Exatamente, a Damares e seus amiguinhos.
“Q” criou um séquito, o “QAnon”, e as ideias deles falavam de satanismo, pedofilia, tráfico sexual e antissemitismo, entre diversas outras maluquices. O FBI olha para o “QAnon” como “ameaça de terrorismo doméstico”. Portanto, estamos falando de malucos oficiais. “Malucos oficiais” que estão sendo eleitos.
Enquanto de um lado Hillary Clinton e Barack Obama estariam juntos com Vladimir Putin para derrubar o governo Trump, os “QAnon” tem uma outra teoria na qual os democratas se juntaram com alguns atores de Hollywood para promover uma rede de pedofilia mundial que usaria porões de pizzarias como “locais de trabalho”. Não acredita? Então procure por “Pizzagate” no Google.
Logicamente que o terreno onde esses “QAnon” mais adoram divulgar essas ideias são as redes sociais. O resultado foi uma enxurrada de chorume quando Lindinhas (“Cuties”) estreou na Netflix. O argumento dos americanos não fugia muito dessa bobagem apontada por Damares.
A preocupação desse pessoal com a pedofilia não envolve cuidado nenhum com as crianças, mas sim com poder. Com raiva. Com a possibilidade de destruir instituições que não estejam do lado deles. O alvo dessa jornada é a cultura. Mais especificamente o cinema.
O poder de Lindinhas e do cinema
O problema está no poder de enfrentamento que o cinema tem. Na força de conflito diante de um pensamento tradicionalista e retrógrado. O cinema pode ser uma ferramenta para fazer com que o mundo enxergue além das maluquices e bobagens. Lindinhas é um exercício poderosamente crítico diante da hipersexualização das jovens.
Um filme que te faz pensar. Tentar entender o quanto as tradições e imposições familiares e religiosas, quando forçadas, podem extrapolar e apontá-las para um caminho sem volta que rouba a vida dessas crianças.
Não existe pornografia em Lindinhas, o que existe é um filme delicado e que deveria ser visto. A postura da Ministra, assim como a de toda horda de seguidores que a acompanham, tem como objetivo somente o ódio. Principalmente um ódio por qualquer cultura que não exalte suas ideias presas a um passado confortável com uma arte que não tentava discutir o mundo, mas sim celebrá-lo fora de suas diferenças e problemas.
A semana acordou com um pedido de censura baseado em argumentos sem sentido feito por uma autoridade federal em plena luta contra a artes e, consequentemente, contra o cinema. Damares Alves apenas repete um discurso muito maior do que ela. Apenas uma cópia canhestra de um pensamento bizarro e que não está preocupado com a liberdade, mas sim com a criação do ódio e poder. Ter a impressão que controlam o cinema. Não controlam, principalmente, porque não o entendem.