Em Busca de Fellini é desses filmes que homenageiam grandes diretores tentando extrair um pouco de seu estilo. É claro que o resultado geralmente nunca atinge o brilhantismo do autor original. E nem é pra isso. E como homenagem, o filme de Taron Lexton consegue explorar tantas nuances do diretor italiano que o ponto mais impressionante do projeto é que tanto tempo se passou após seu último filme, e mesmo assim, o sonho da humanidade ainda parece continuar.
Federico Fellini era um ilustrador que idealizou seus filmes com pouco roteiro e muita análise. Sobretudo humana. Para isso as emoções desempenharam um papel fundamental, e dificilmente você irá assistir um filme dele sem se deparar com sentimentos dúbios e amorais, que nos fazem pensar em como o ser humano é muito mais complexo do que a velha dualidade bem e mal. Sem maniqueísmos, mas cheio de fantasia, Fellini não era um surrealista, tampouco um realista. Ele era, como em um de seus ditados, um visionário. E hoje essa visão nos volta à lembrança na forma de mais um filme.
A personagem principal é a garota Lucy (Ksenia Solo). Lucy foi criada por uma mãe com a cabeça nas nuvens (Maria Bello). Tendo como contrapartida sua tia Kerri (Mary Lynn Rajskub), ambas são apenas o pano de fundo necessário para que Lucy bata suas asas para longe de um lar superprotetor e utópico. E de utopia para utopia, Lucy passa a venerar em pouco tempo o diretor italiano Federico Fellini, que conhece em um festival onde são passados todos seus filmes. Decidida a conhecê-lo pessoalmente depois de ter assistido várias vezes A Estrada da Vida, Noites de Cabíria, A Doce Vida, Boccaccio ’70, 8½, Satyricon e Amarcord, essa aventura ainda é impulsionada por sua mãe, que ainda por cima descobre ter uma doença terminal, fechandoo drama felliniano completo para sua viagem pela Itália.
Para os que não conhecem nada de Fellini, este pode ser um bom filme introdutório. Sobretudo para os americanos, que a despeito das 12 indicações ao Oscar por seus filmes, seu trabalho se mantém esquecido e arquivado. Talvez seja o problema da legenda. Afinal, estamos nos anos 80, e em todo beco que Lucy conversa com alguém sempre haverá um italiano que sabe falar inglês perfeitamente, quase sem sotaque. Apesar do filme se passar a maior parte do tempo na Itália, a língua italiana é um enfeito estético usado de vez em quando.
Aqui, seguindo o caminho da homenagem, o roteiro também não segue muita lógica. Caminhamos nas nuvens junto de Lucy, uma garota sem personalidade que está aí para que tenhamos a figura do espectador dentro do filme. Ela passeia por diferentes cenários, personagens e situações como itinerante, e não como modificadora do seu destino. Mas assim como até uma pedra tem seu propósito, Lucy também o tem.
Ela é interpretada pela belíssima Ksenia Solo, com seus grandes olhos azuis e cachinhos dourados. Ela usa a maior parte do tempo uma roupa com listas, que lhe dá um toque bucólico. Ela também usa umas mangas meio rebuscadas que lembram Alice (no País das Maravilhas). Além disso, a fotografia de Kerri Garrison é uma atração à parte. Usando sobretudo um azul leve e triste com toques amarelos na casa de Lucy, na Itália os tons de preto, amarelo e outras cores adquirem uma luminosidade mais boêmia e teatral. A Itália vista no filme é mais artística, mais poética, e seus pontos turísticos são exaltados como um personagem mais importante que a própria Lucy. Assim como seus inusitados personagens. Temos homens bons e maus, e mulheres geralmente donas de seu mundo, embora a maioria seja lasciva de uma maneira despretensiosa.
E é claro que a maioria das situações irão justamente fazer nossos olhos observarem uma revisita ao mundo de Fellini. Esta é uma homenagem fofinha. Portanto, aproveite. Não há nada a temer, pois tudo sempre dará certo. Talvez a única falha do filme seja isso: a falta de tensão. Se até Fellini encostava seus pés no chão de vez em quando — e isso era o que tornava seus filhos providos de um significado maior do que simplesmente uma viagem experimental ao mundo dos sonhos – aqui o roteiro de Nancy Cartwright e Peter Kjenaas prefere não arriscar estragar um passeio tão lindo, não percebendo que as agruras da vida fazem parte do passeio. Principalmente quando o passeio em si é um microcosmos da vida.
E esta vida é certinha demais para fascinar. Ou talvez Fellini não tenha mais espaço nos dias de hoje. É capaz. Com tanta ironia e desprezo pelos sentimentos humanos, a vida se tornou um simulacro dela mesma. E tendo isso em jogo, Em Busca de Fellini pode ter um sentido metalinguístico. Onde estará, nos dias de hoje, o próximo Fellini a alçar vôo na arte que imita os sonhos?
“In Search of Fellini” (EUA, 2017), escrito por Nancy Cartwright, Peter Kjenaas, dirigido por Taron Lexton, com Maria Bello, Ksenia Solo, Mary Lynn Rajskub, Barbara Bouchet, Beth Riesgraf