Em Ritmo de Fuga poderia estar em uma partitura. Edgar Wright regendo essa aventura por meio do ritmo desenfreado de uma quantidade deliciosa de canções pops e personagens maravilhosamente construídos. A embalagem perfeita para um dos filmes mais divertidos e interessantes do ano.
E tudo isso partindo de uma premissa tão simples e comum que demonstra exatamente aquela máxima do cinema de que não é preciso estar sempre inovando em uma história, o mais importante é conseguir conta-la bem. E é isso que Wright faz: conta bem essa história.
Ela é sobre Baby (Ansel Elgort) um jovem motorista de fuga que, em razão de um zunido em seu ouvido (graças a um acidente ainda criança), está sempre conectado ao seu iPod. Mas Baby tem o sonho de largar essa vida de crime e sair pelo Estados Unidos sem destino, uma possibilidade que acaba surgindo quando conhece seu grande amor, a garçonete Debora (Lily James), porém para isso, precisa realizar um último trabalho para seu antigo contratante, Doc (Kevin Spacey).
Exatamente isso que você está pensando, você tanto já viu essa história no relativamente recente Driver (e consequentemente do seu parente próximo Caçada da Morte de 1978) com em diversas outras variações do tema. Mas o mais importante, nunca do jeito que Edgar Wright irá te mostrar.
E isso começa logo de cara quando você percebe que a trilha sonora no ouvido de Baby ditará não só suas ações, como todo ritmo da montagem de Em Ritmo de Fuga. Dito assim parece difícil de entender, mas diante de um filme onde todas ações dos personagens, tiros, passos, suspiros e olhares, assim como cada corte, obedece o compasso da música, fica fácil embarcar nesse mundo musicado que Wright pretende te levar. Um recurso que é usado muito em trailers e até você já deve ter visto em um punhado de filmes, mas nessa quantidade é muito provável que você nunca mais veja.
Se lá em seu primeiro filme, Todo Mundo Quase Morto, Wright já brincava com isso enquanto espancava um zumbi no ritmo do Queen, o resto de sua filmografia vem sendo marcado pelo mesmo ritmo, mas nunca ¿marcado¿ de verdade. E isso ganha contornos mais complexos ainda em grandes cenas sem corte ou em movimentos de câmera mais sutis. Um chute em um lata ou a caminhada de Baby, tudo segue o tempo da música. E seu espectador é carregado com ele por esse mundo.
Seu ritmo ainda se completa com um diretor que parece estar já há muito tempo no ápice de suas qualidades técnicas. Scott Pillgrim Contra o Mundo é um espetáculo de cores e ação, enquanto Heróis da Ressaca tem algumas das lutas mais interessantes do cinema, duas referências que se juntam agora a Em Ritmo de Fuga com as perseguições mais empolgantes, ágeis e bem filmadas que você verá (e viu) no cinema por algum tempo. Tudo incrivelmente bem coreografado e com uma câmera precisa que sabe que melhor que um visual espalhafatoso, composições simples e poderosas deixam aquela impressão de você estar acompanhando algo, e não vendo flashes daquilo.
Para completar, Wright entrega um filme cheio de personagens interessantes e que nunca ficam na superfície. Baby tem um pai adotivo surdo, o que representa para o filme toda questão com o som, além de abrir possibilidades maiores ainda para o protagonista. Já seus companheiros de assalto, cada um surge com uma característica que empurra a história para algum lado, até mesmo o pouco tempo de tela de Jon Bernthal (que está se especializando em personagens repugnantes) é usado para esmiuçar o jeito calado de Baby, algo que depois disso é levado ao limite com a entrada do (mais repugnante ainda) personagem de Jamie Foxx. Tudo isso só para compor o protagonista e a sensação de até onde aquela calma pode ir.
Em meio a essa fauna de personagens inesquecíveis, Elgort cria essa cara apaixonante, que ao mesmo tempo precisa se segurar por trás do volante, mas no resto do tempo explode em felicidade. Seu Baby fora da vida de crime é um apaixonado que vive cada passo (ou compasso) como se estivesse em um musical pelo meio da rua ou um romance clássico onde as roupas rodando nas máquinas de lavar são o cenário perfeito para o amor. Torcer pelo protagonista no terceiro ato é quase uma catarse, como se toda aquela tensão por trás do personagem pudesse enfim ganhar vida.
Para completar o elenco, Jon Hamm mostra que já está completamente pronto para deixar sua persona de Mad Man para trás e se tornar uma estrela de Hollywood. Complexo, carismático e violento, Wright usa ele para criar uma ameaça perfeita, não daquelas óbvias que estão lá desde o começo martelando sua mente, mas sim uma que vai crescendo junto do filme.
E talvez uma das maiores qualidade de Em Ritmo de Fuga esteja justamente aí, no quanto Wright vai contando uma história que nunca soa pretensiosa, mas que aumenta a cada acorde. Começando como uma farsesca canção pop, mas crescendo até se tornar a apresentação de uma orquestra inteira. E chacoalhando a batuta, Wright rege um dos filmes mais imperdíveis do ano.
“Baby Driver” (RU/EUA, 2017), escrito e dirigido por Edgar Wright, com Ansel Elgort, Jon Bernthal, Jon Hamm, Elza González, Lily James, Kevin Spacey, Jamie Foxx e CJ Jones