Xapuri, Acre, 1988. O sindicalista e ativista ambiental Chico Mendes é assassinado em meio aos conflitos de terra da região, no embate entre os posseiros/seringueiros que desejavam manter a exploração extrativista com preservação ambiental e os grileiros/fazendeiros que queriam reforçar a pecuária sem muita preocupação com a quantidade de floresta que seria desmatada. Com imensas tensões entre os envolvidos, Chico Mendes teria criado o que chamou de “empate”, onde, com a união entre os trabalhadores e a ajuda da imprensa nacional e internacional, conseguiu, em encontros com os fazendeiros e seus “exércitos” (que incluíam, sem surpresa, a presença dos policiais estaduais do Acre, inclusive militares), interromper procedimentos de expulsão violenta dos posseiros das áreas desejadas pelo outro lado.
O empate aqui tem muita ironia, pois na maior parte das vezes, os trabalhadores estavam em desvantagem numérica e, principalmente, de poder de fogo e político. Com a decisão de assassinar o ativista (além de dois outros líderes sindicais e populares e a religiosa católica Dorothy Stang), a maré virou e a Reserva Extrativista Chico Mendes e o Seringal Cachoeira foram formados.
Empate, o filme se debruça sobre a realidade do local depois dos 30 anos do assassinato (que rendeu documentários e um filme hollywoodiano estrelado por Raul Julia no papel de Chico Mendes, entre outras diversas produções sobre o tema); e, também sem surpresa alguma, pouco mudou nas relações entre os seringueiros e os fazendeiros.
A maior diferença é a evidente prosperidade, com as devidas proporções, das áreas protegidas, quando comparadas com as estruturas existentes em 1988: luz elétrica, água encanada, ruas e muitas casas organizadas, acesso à internet e veículos. No entanto, se verifica que as novas gerações estão desinteressadas e distantes da luta dos pais e avós, mais preocupadas em se comparar e imitar os peões de rodeio norte-americanos e do Sudeste, no trajar e nas atitudes. Pouquíssimos jovens participam das reuniões dos trabalhadores e pouco se importam com o futuro das áreas, com muitos dos que ficaram utilizando terras dentro da reserva para criação de gado, exatamente do mesmo jeito que causou toda a celeuma e a violência da década de 80 do século passado.
Causa bastante tristeza ao espectador ver o interior das casas, com extrema simplicidade e utensílios velhos. Os rostos sofridos e conformados dos habitantes e a falta de perspectiva geral da sociedade ali formada, com belíssimas imagens da floresta, tanto estáticas ao rés do chão, quanto feitas por drones, de plasticidade e apuro estético interessantes. Mesmo com a direção preguiçosa com abuso de closes televisivos, a velha questão técnica que se discute há muito tempo e quase nada muda na estética da filmografia nacional.
Vemos que os mesmos antigos companheiros de Chico Mendes (uma figura pop e que estampa produtos tão diversos quanto relógios de parede, calendários, canecas e camisetas e é tratado com reverência pela população, um reducionismo “cheguevariano” de todo o trabalho e sofrimento do ícone, que vira mera desculpa e serve como “selo de ecologia” para iniciativas populares e corporativas) são os poucos que tentam manter a união da população extrativista, reúnem as pessoas, fazem exposições, entre outras atividades.
Contudo, o cansaço e a desesperança pesam nos ombros de pessoas como Sabá, Guma e Raimundão, já passando dos 70 anos de idade, buscando agora a proteção dos posseiros que ficaram de fora das reservas Cachoeira e Chico Mendes, que voltam a sofrer pressões extremas dos fazendeiros e latifundiários, que agora atacam nas frentes judiciária e legislativa, com apoio do poder executivo do Acre e na beira da eleição de Jair Bolsonaro na época da realização do filme.
E, também sem qualquer surpresa, os personagens que sofreram e sofrem as pressões mostradas no documentário (típicas de faroeste meia-boca, com capangas seguindo posseiros, ameaças e incêndios de casas e corte de acesso a água) enquanto os processo judiciais se arrastam por mais de década e cujo resultado é normalmente contrário aos posseiros. Estes se vêem então desamparados pela lei, pela justiça e, pasmados, pelos próprios companheiros. O resultado, como mostram cartelas depois do encerramento do filme, é previsível e sem qualquer “apelo dramático”.
Melancólico, desesperançoso e muito potente, o documentário vale a visita para que possamos entender que o oportunismo e a falta de apoio derrubam mais que o facão, a queimada e o trator.
A questão amazônica é muito mais do que discursos inflamados e a criação de ícones pop, precisa de acompanhamento e apoio constantes, senão é engolida e submetida pela mera passagem do tempo e da pressão econômica e social. Don Corleone estava certo: um advogado consegue roubar muito mais com sua pasta do que uma centena de capangas armados; se ambos se juntam então, sai de baixo. O “empate”, tão celebrado, com razão, por Chico Mendes e a comunidade, virou o costumeiro 7 a 1.
“Empate” (Bra, 2018, 90 min); escrito por Sérgio de Carvalho e Beth Formaggini; dirigido por Sérgio de Carvalho.