É curioso como em Estados Unidos Pelo Amor – novo trabalho do diretor (e roteirista) Tomasz Wasilewski – o destino de cada personagem termina necessariamente em um drama, mas que nunca é suficientemente trágico. Pelo menos não para as mulheres envolvidas em quatro histórias que se cruzam em um vilarejo na Polônia na época comunista. Este é acima de tudo um filme sobre um grito silencioso na imensidão do horizonte.
Uma garota cai no lago congelado; uma mulher fuma no banheiro para abafar seu desespero; uma jovem vomita no mesmo recipiente usado para limpá-la. As radicais decisões dessas mulheres parecem ser proporcionais ao seu nível de dor e carência. Elas sofrem internamente, e a forma com que cada uma delas desenvolve essa relação com a dor é o tema que as une. A palavra amor é usada muitas vezes no filme. Alguns tentam defini-la em uma escola, sugerindo ludicamente que esta não é uma palavra que é definida em uma sala de aula, quando um aluno pergunta ao professor se ele já fez sexo.
É esse sentimento vago de incapacidade de amar a não ser na forma parasitária, isto é, dependendo de outros para sentir algo, que norteia toda a história de Tomasz Wasilewski. Sem trilha sonora alguma para distrair, nem mesmo nos créditos finais (exceto as músicas diegéticas, ou seja, que ocorrem no próprio universo do filme), e uma fotografia fria, que abusa do azul celeste e da neve, sugerindo isolamento emocional – além de estarmos na Polônia soviética e em plena Guerra Fria – não há distrações para o espectador; os “enfeites” estilísticos são retirados em prol da visualização intensa da pobreza e miséria, não apenas material, mas principalmente, espiritual.
Na primeira história, um casal se distancia na comunicação, onde até o sexo vira algo acessório alimentado pelas fantasias da esposa com respeito ao padre do vilarejo. Já na segunda história, uma amante abandonada por conta da culpa assimilada pelo seu amante que acaba de perder a esposa. A terceira história, uma paixão proibida de uma professora recém-aposentada. E, por fim, a quarta, a solidão niilista de uma jovem que almeja a fama para suportar sua vida normal.
Todos esses panoramas se unem em torno de um universo frio e onde o sexo, visto e assistido naturalmente, não é algo sedutor, mas mecânico e desesperado, como a procurar por um significado que não existe no próprio ato. Essas pessoas não estão apenas carentes de recursos, citado pontualmente com filas e racionamento, mas carentes sobretudo de uma auto-estima essencial para que o verdadeiro amor surja.
A direção estática de Wasilewski, com quadros quase sempre parados, denota o marasmo e a mesmice, e exceto em alguns poucos momentos, como uma valsa dançada ao som de Danúbio Azul, visualiza a depressão de um povo com um olhar não apenas curioso, mas fascinado. Tentando olhar por dentro das pessoas exibindo sua nudez e sua intimidade entre quatro paredes, além dos joguinhos de sedução, como fingir que tropeçou na escada, o filme tenta desesperadamente achar um significado para tudo isso, o que torna o conjunto da obra de uma poesia vazia, frustrante, mas ao mesmo tempo poderosa e densa, por eliminar todo o resto que faz um filme palatável.
Um filme como esse depende muito das atuações, e há algumas pequenas descobertas aqui. Como Julia Kijowska, uma dona de casa que perde seu suporte espiritual ao se apaixonar por um padre e não conseguir entender seu próprio ser. O elenco parece ficar à mercê do controle obsessivo da direção, mas se entrega na medida em que o filme consegue capturar essa fuga de suas próprias personas e máscaras usadas no dia-a-dia. Isso não as torna hipócritas, mas autênticas, embora invisíveis aos outros ao redor.
E, diga-se de passagem, os homens ficam de fora de toda essa equação. Eles são às vezes o alvo do desejo, mas só isso. Este é um filme que foca basicamente no drama feminino, na busca amargurada das mulheres por compreensão, carinho, saciação da vontade do próprio ser, algo que aquele mundo parece completamente incapaz de lhes entregar. E elas quase não são vistas como indivíduos, mas como mulheres parecidas, presas à situação política, econômica e afetiva do mundo que as acolheu como estereótipos de alguma função social qualquer.
O curioso em Estados Unidos Pelo Amor é que seu título sugere alguma crítica política ou algo do gênero, mas a atmosfera do filme está muito mais voltada aos seus personagens, de forma muito semelhante ao ótimo Ida. É um filme difícil, submerso em indizíveis, mas visualmente arrebatador, hipnotizante, que não entregará respostas fáceis aos conflitos existenciais e amorosos em sua história, mas pelo menos tenta de todas as maneiras, já se saindo muito melhor que a imensa média de acomodados.
“Zjednoczone Stany Milosci” (Pol/Sue, 2016), escrito e dirigido por Tomasz Wasilewski, com Julia Kijowska, Magdalena Cielecka, Dorota Kolak, Marta Nieradkiewicz, Tomasz Tyndyk