Há pouquíssimas vilãs marcantes no cinema, e, quando aparecem, frequentemente seus atos são motivados por um coração partido, para chamar a atenção de um homem ou, como é o caso de Eu, Anna, por algum tipo de loucura ou descontrole mental. Raramente é permitido a uma mulher ser uma antagonista complexa.
Estreando como diretor na telona, Barnaby Southcombe deixa sua experiência como televisão à mostra. Já a eficiente fotografia de Ben Smithard mergulha o longa em um interessante clima noir (e apropriado), já que Anna (Charlotte Rampling, mãe de Southcombe), sempre de casacos longos e salto alto, é a femme fatale cujo mistério e charme confundem o inspetor-chefe Bernie Reid (Gabriel Byrne). Na trama adaptada do livro de Elsa Lewin pelo próprio diretor, os dois se conhecem após Anna chamar a atenção de Bernie ao deixar a cena de um crime: após uma reunião de solteiros, ela volta com um homem para a casa dele e, no dia seguinte, ele é encontrado morto. Apesar do interesse de Bernie, Anna parece cada vez mais suspeita. Ele a segue a outra reunião de solteiros, onde os dois conversam; Anna parece interessada nele, mas não lembra de já tê-lo encontrado antes.
Anna é uma personagem interessantíssima construída através de uma ótima performance de Rampling, mas parece presa a um filme que não reconhece tudo o que poderia explorar com sua personagem (aliás, nem o fato de ela ser a protagonista, pois o longa frequentemente tenta vender que a figura que merece nossa simpatia, ali, é Bernie). Solitária, melancólica e com dificuldades de se relacionar com o mundo ao seu redor mas, sem que ninguém saiba, uma cruel e fria assassina (não se preocupe, a última parte da frase não é um spoiler), tem ai mais uma oportunidade desperdiçada em favor da esgotada trama de uma mulher sem controle sobre sua mente ou suas ações.
Dessa forma, ao encontrarmos Anna em seu legítimo trabalho em uma loja de móveis e a vermos sorrateiramente prendendo seu crachá na roupa, de início parece que ela está tomando o lugar de uma funcionária e em meio a um plano, apenas para, logo em seguida, a vermos se deitar em uma cama e cair no choro. Assim, através de flashbacks inseridos de forma orgânica na narrativa, descobrimos o que Anna fez.
Apresentando ainda uma subtrama descartável envolvendo o filho do homem morto e seu amigo, Eu, Anna falha ainda ao conceber a natureza da personagem-título baseando em duas mortes completamente diferentes. É,portanto, um roteiro raso que Southcombe deveria ter mantido nas telas de televisão.
I, Anna, escrito e dirigido por Barbany Southcombe, com Charlotte Rampling, Gabriel Byrne, Ralph Brown, Hayley Atwell, Jodhi May, Eddie Marsan e Max Deacon.