Fãs da série Narcos ou interessados na história de Pablo Escobar vão reconhecer o nome: Barry Seal, piloto de avião que se tornou espião da CIA e traficante. Em Feito na América, ele conquista o protagonismo na pele de Tom Cruise em um longa divertido, eficiente e estiloso que, sob a superfície, demonstra um senso de humor crítico.
Os Estados Unidos adoram narrativas de pessoas que, do nada, erguem um império; é o mito do “American Dream” que, por meio de muita propaganda, se mantém fortíssimo até hoje. Barry Seal representa isso de maneira extremamente irônica ¿ mesmo sendo um promissor talento da aviação, ele não parecia estar indo para lugar nenhum antes de ser abordado por Monty Schafer (Domhnall Gleeson), agente da CIA que o convida (leia-se: intima) a pilotar um avião para tirar fotos de bases inimigas na América Central. Sua excelência como piloto atraem os olhos dos traficantes de Medellín e ele, então, passa a traficar quilos e quilos de cocaína para os Estados Unidos. Com a confusão da Guerra Fria e a ância da CIA para demonstrar sua eficiência, a situação vai se tornando cada vez mais complicada ¿ até que começa a ativamente ameaçar a vida de Seal e sua família.
Ambientado durante as décadas de 70 e 80, uma das maiores qualidades de Feito na América é a fotografia de César Charlone (uruguaio radicado no Brasil e parceiro habitual de Fernando Meirelles), com sua estética nostálgica banhada de cores vibrantes e de uma estética típica da época, desde o instante em que a projeção inicia com os logotipos antigos do estúdio e das produtoras envolvidas. O lado vintade da obra encontra-se até mesmo em suas origens: para escrever seu roteiro, Gary Spinelli baseou-se nas fitas VHS gravadas pelo próprio Seal para contar sua história ¿ cuja absurdez ele mesmo é o primeiro a admitir. Enquanto isso, o diretor Doug Liman (que já havia trabalhado com Tom Cruise no excelente No Limite do Amanhã) acerta ao não deixar que os depoimentos do protagonista atrapalhem o ritmo da narrativa, já que ouvimos principalmente apenas sua narração em off.
Na maior parte do tempo, a direção de Liman é estilosa e eficiente, mas vez ou outra ele se rende a alguns floreios que, sem motivo algum para existir, apenas distraem. O principal exemplo disso é na cena que traz Schafer e Seal conversando em uma lanchonete: para fazer o plano/contra-plano do diálogo, Liman altera o enquadramento quatro vezes, sem que isso traga qualquer impacto ao que está sendo dito. Mais interessantes são os cortes rápidos para determinadas reações ou detalhes que, dessa forma, criam um senso de humor irreverente.
Mérito também da ótima montagem de Saar Klein, Andrew Mondshein e Dylan Tichenor (que, surpreendentemente, entregam um resultado coeso apesar de terem trabalho a seis mãos), Feito na América desenrola-se com fluidez e dinamismo, trazendo energia a um filme repleto de informação e reviravoltas e que poderia facilmente ter se tornado confuso ou excessivamente expositivo. Por outro lado, jamais temos uma real impressão de que anos e anos estão se passando na vida de Seal ¿ algo resultante não apenas da montagem, mas também do roteiro, já que o personagem pouco se desenvolve internamente. Ele se torna mais rico, mais influente e mais seguro de si, mas qual é o impacto psicológico de tudo aquilo? É interessante perceber o quanto Seal segue a trilha do dinheiro, sem se importar com lealdades, patriotismos ou outras noções do tipo, mas nem mesmo o perigo sobre sua vida e a de sua família parece afetá-lo.
Isso é contornado, até certo ponto, pela energia que Tom Cruise traz ao personagem. Retornando aos holofotes depois do desastre de A Múmia, filme no qual foi completamente mal-escalado, Cruise volta a interpretar um papel feito sob medida para ele. Assim, Seal conquista o espectador com seu senso de humor, sem-vergonhice e esperteza, que permitem que ele faça com que até mesmo Pablo Escobar e seus amigos acabem aceitando o que ele diz. Fazendo um contraponto a ele, Domhnall Gleeson também diverte com seu agente Schafer, destacando-se especialmente na primeira conversa entre os dois, em que mostra-se perfeitamente amigável até começar a trazer tons ameaçadores para sua fala ¿ como na forma casual com que ele revela saber o nome da esposa de Barry.
E, por falar nela, Sarah Wright tem pouco tempo de tela como Lucy, mas pelo menos se mantém distante do clichê da “esposa que aceita e apoia tudo o que o marido faz e serve apenas como suporte emocional ao protagonista”. Alejandro Edda, Maurício Mejía e os demais integrantes do quartel de Medellín divertem e criam uma dinâmica interessante e engraçada com Seal. Fechando o elenco secundário, Caleb Landry Jones se sai bem como o irmão folgado de Lucy, e Jayma Mays traz a energia necessária para sua personagem que, apesar de aparecer pouco, tem bastante importância no terceiro ato. Jesse Plemons e Lola Kirke, por sua vez, não tem praticamente nada para fazer.
Assumidamente enaltecendo além da realidade as habilidades de Seal como piloto e negociador, Feito na América entende que o protagonista chegou onde chegou não somente por habilidade, mas também por frequentemente estar no lugar certo e na hora certa. Assim, até seus momentos finais, o longa mostra-se crítico à falácia do American Dream e ao patriotismo exacerbado dos Estados Unidos ¿ tudo isso com irreverência, energia e uma envolvente estética anos 70/80.
“American Made” (EUA, 2017), escrito por Gary Spinelli, dirigido por Doug Liman, com Tom Cruise, Domhnall Gleeson, Sarah Wright, Alejandro Edda, Benito Martinez, E. Roger Mitchell, Mauricio Mejía, Jesse Plemons, Caleb Landry Jones, Loka Kirke e Jayma Mays.