Para se divertir com Feriado Sangrento basta dar o play no filme. Para entendê-lo é bom dar alguns passos para trás e entender, através da história do cinema, como esse filme nasceu. É uma história deliciosa, cheia de reviravoltas, desastres e boas ideias, então vale a pena passar por ela.
Primeiro de tudo é importante entender o que são os filmes “exploitation”, uma espécie de “gênero que explorava os gêneros”. Um tipo de filme que nasce dos “Filmes B” e que vinha na possibilidade de exagerar ideias nichadas por públicos específicos. Em resumo, se o público queria violência e nudez, então por que não encher o filme de violência e nudez? Querem carros poderosos? Então encha o filme de carros estilosos.
A ideia cresceu o suficiente para se tornar uma referência nos anos 60 e 70 no cinema americano. E o lugar onde os filmes “exploitation” melhor encontraram seu lar, foram nas “Grindhouses”.
Os “Grindhouses” eram cinemas que herdaram uma prática vinda desde os anos 20 nos Estados Unidos de passar filmes de modo quase ininterrupto em sua grade. Isso fez desses locais um lugar perfeito para os estúdios descarregarem nessas salas uma quantidade gigante de filmes que talvez não tivessem espaço em outros lugares. A evolução disso, e o que fizeram eles entrarem na história, foi eles, aos poucos, se tornarem o lugar perfeito para todos aqueles filmes meio vagabundos, “exploitation” e terrores menos famosos, encontrarem uma casa.
É óbvio que em pouco tempo, e diante do lucro, os estúdios começaram a olhar para essa possibilidade e permitir que um monte de cineastas malucos e geniais, tivessem dinheiro para fazer filmes que se tornaram referência para uma geração inteira de jovens que, mais tarde, se tornaram outros cineastas, incluindo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez.
Depois de uma “sessão dupla” de filmes do final de década de 50 que contava com “Dragstrip Girl” e “Rock All Night”, com direito a projeção dos filmes em sequências e até dos trailers da época, Rodrigues e Tarantino tiveram a ideia de fazer o mesmo: dois filmes que emulavam as ideias da época, para serem assistidos um na sequência do outro e até com alguns trailer fictícios para compor a experiência. Griundhouse, nome do projeto, foi então formado por Planeta Terror, dirigido por Rodrigues, A Prova de Morte, por Tarantino e mais cinco trailers de lançamentos que não existiam.
Dos cinco trailers, dois já viraram filmes: Machete e “Hobo With a Shotgun” (que no Brasil foi batizado de O Vingador). “Thanksgiven”, agora Feriado Sangrento, é o terceiro a “ganhar vida”. Mas é preciso lembrar de tudo isso antes de embarcar no novo filme de Eli Roth para aproveitá-lo em todas suas ideias malucas, referências e um humor cínico o suficiente para os espectadores desconfiarem realmente se a ideia ali era ser engraçado ou aterrador.
E a ideia original era ainda mais cretina (no melhor dos sentidos!): Um jovem que ficou amigo de um peru até que descobriu que o parceiro tinha virado comida no Dia de Ação de Graças, isso faz com que ele mate toda a família, seja internado em um hospício e dez anos depois volte para matar todo mundo ao estilo Halloween. Mas a ideia do trailer fictício ficou para trás e o novo é muito menos esquisito.
Eli Roth voltou a parceria com Jeff Rendell para reviver a ideia e chegar nesse novo longa, agora com uma história menos doida. Como era de se esperar, o filme começa em um dia de Ação de Graças, feriado americano que quem gosta de cinema já deve conhecer. O problema é que uma grande loja da cidade resolve começar sua grande promoção de Black Friday na meia-noite do feriado, o que resulta em uma confusão depois do descontrole do público e um monte de mortes.
Uma pausa aqui para relembrar de uma das vítimas com o pescoço cortado por um caco de vidro ainda assim correndo para garantir sua máquina de waffle com um preço imperdível. Agonizando com a caixa entre os braços, em seus últimos momentos de vida, ele ainda vê uma mulher arrancar dele a máquina de waffle. E isso é apenas a ponta desse iceberg de gore com pitadas de crítica social. Sim, é a Black Friday e o capitalismo que motivam uma série de assassinatos um ano depois.
Ao melhor estilo slasher, uma figura misteriosa vestida de peregrino e com a máscara do famoso (para os americanos) John Carver, figura relacionado a história do Dia de Ação de Graças. Sua vingança passa por um monte de gente que teve pouca ou muita culpa no massacre do ano anterior. E só. Eli Roth não está mais preocupado em criar nada além disso. E acreditem, é mais do que suficiente.
O diretor não tem nenhuma intenção de fazer nada minimamente criativo em termos de esforço narrativo e intelectual, seu esforço está apenas nas mortes, no gore e na quantidade de referências que os fãs irão se divertir perseguindo.
As mortes são divertidas demais e em certos momentos ele realmente aposta em levar o espectador para o limite do seu bom senso. As tripas expostas fazem a alegria dos fãs e farão que quem não está acostumado desista de ir até o final. Aquele mesmo limite de sempre que Roth vem filme a filme tentando ultrapassar e que, quanto mais não se leva a sério, mais bem sucedido ele é. Mas para isso é preciso entender que ele está brincando com o gênero. O que talvez escape de muita gente, infelizmente.
O roteiro da dupla faz de tudo para que isso fique claro. Seus personagens parecem comuns, mas são sempre levemente diferentes do esperado. Ao melhor estilo Pânico, o namorado pode ser o assassino, ou não. O personagem negro talvez não seja o primeiro a morrer. Muito menos o drogado metaleiro que vende armas para jovens. A câmera em primeira pessoa pode estar com o assassino, ou não. E tudo isso pode ser spoiler… ou não.
Os fãs do gênero vão reconhecer um monte desses detalhes e ainda irão se divertido prevendo mais um monte de maluquices saídas da cabeça de Eli Roth, que mostra claramente o quanto manja de slasher e o quanto quer fazer uma homenagem a todos esses divertidos e enlatados filmes que servem de sustentação para a cinefilia de muita gente.
Um gênero que pode ser diminuído por muitos e ser jogado em uma prateleira de filmes “menos filmes”. Do mesmo jeito que aquelas produções lá desde os anos 20 sendo descarregadas nos cinemas meio vagabundos. E Roth faz uma homenagem tão respeitosa aos slashers quanto Robert Rodriguez brincava com o terror e Tarantino com o “exploitation”, uma coisa mais que suficiente para fazer Feriado Sangrento ser uma certeza absoluta de diversão para os fãs, que é o que vale. Não é mesmo?
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“Thanksgiven” (EUA, 2023); escrito por Eli Roth e Jeff Rendell; dirigido por Eli Roth; com Patrick Dempsey, Ty Olsson, Gina Gershon, Karen Chiche, Rick Hoffman, Jalen Thomas Brooks, Mika Amonsen, Amanda Barker, Shailyn Griffin, Tim Dillon, Chris Sandiford, Addison Rae, Jenna Waren e Gabriel Davenport.