Talvez a maior surpresa de Frank seja descobrir ao seu final que ele real é baseado no artigo escrito por Jon Ronson para o The Guardian. Não inteiramente preciso, mas deixando claro que as parte mais impressionantes (ou extravagantes) saíram daquele lugar que supera qualquer ficção: a realidade.
No caso, o Frank do filme é levemente inspirado no cantor inglês Frank Sidebottom, que ficou relativamente famoso nos anos 80 (e começo dos 90), justamente por se esconder por baixo de uma enorme e esférica cabeça de papel machê. Na verdade, Sidebotton era Chris Seievey, e por mais que na Inglaterra seja apontado como fenômeno, morreu em 2010 um tanto quanto esquecido.
Mas Frank (o filme) não é sobre isso, na verdade, quase que como uma homenagem prefere contar essa história quase como um “fábula ao invés e uma biografia” (como o próprio Ronson define o filme no artigo). A cabeça de papel machê está lá, boa parte das esquisitices também, a música excêntrica idem, mas é adicionado a isso um drama sensível que permeia boa parte do filme e culmina em um terceiro ato daqueles que fará qualquer um pensar por alguns minutos depois de seu fim.
De qualquer jeito, o que vem antes disso talvez esteja até mais para uma comédia fina e sutil sobre Jon Burroughs (Domhnall Gleeson), um jovem que perambula pela vizinhança de sua casa em busca de uma melodia perfeita que lhe “dê” um hit. Numa dessas divagações, acaba dando de cara com um músico surtado e uma banda que precisa de um tecladista para um show no mesmo dia. Em pouco tempo Jon não só está fazendo parte da banda, como viaja com eles para a Irlanda para gravar um disco.
A banda em questão é liderada por esse tal Frank (Michael Fassbender) e sua enorme e paralisada cabeça. No caso do filme e dessa “fabularização” da realidade, o tal Frank simplesmente não tira a máscara para nada, e (nesse caso, muito provavelmente semelhante ao verdadeiro) mistura uma certa genialidade e uma personalidade magnética com o caos de suas ideias e objetivos. Por fim, Frank (o filme) acaba então sendo sobre o quanto sonhos podem sobrepujar a realidade e, no final das contas, ferir as pessoas que estão à sua volta.
Frank então convive extremamente bem entre o bom humor e a loucura desses momentos em que o espectador acompanha tanto o processo de composição desse disco, como a construção desse gênio pelos olhos do protagonista. Não são poucos os momentos em que o filme arrancará risos, e muito menos serão poucos os momentos em que o escuro do cinema se tornará mais escuro ainda. Afinal, ainda que Frank seja essa figura incrível e amalucada, é como se por trás dessa máscara, suas palavras soassem quase melancólicas. Como se aqueles ombros segurassem muito mais que aquele cabeção sorridente e com olhos esbugalhados.
Grande parte dessa força e sensibilidade vem do ótimo roteiro de Jon Ronson e Peter Straughan, principalmente por permitirem que essa história cresça de modo ordenado dentro do caos do personagem. Como se ao mesmo tempo que Frank se descobrisse, os rumos de seu caminho se entrelaçassem mais com a dor e com um certo egoismo que toma conta de Jon e leva à ruína esse seu sonho.
De qualquer jeito, mesmo debaixo dessa máscara, o melhor do filme acaba sendo o incrível trabalho de Fassbender. Tanto em termos de expressão corporal, quanto na delicadeza com que ele compõe cada detalhe do personagem. Seja enquanto em um momento divertido do roteiro ele passa externar suas expressões faciais para que os outros saibam seus reais sentimentos, seja no quanto ele se preocupa em deixar fluir por seu corpo aquilo que está por baixo da máscara. Um trabalho que fica ainda mais valorizado nos poucos momentos em que se encontra de “cara limpa” e imprime uma tristeza e uma falta de sentimento que quase perturbam a todos que estavam acostumados com o “verdadeiro Frank”.
Frank então tem a vitalidade de uma comédia inglesa, a sensibilidade de um drama sobre do que realmente são feitos os sonhos, discute o quão realmente cada um pode ser louco ou são e tem a real noção do quanto aquele cabeção assustado é hipnótico e esquisito, fazendo ser impossível tirar os olhos do filme.
“Frank” (EUA/Ire/RU, 2013), escrito por Jon Ronson e Peter Staughan, dirigido por Lenny Abrahamson, com Domhnall Gleeson, Scoot McNairy, Maggie Gyllenhaal, François Civil, Carla Azar e Michael Fassbender