Livremente inspirado na história de A Rainha do Gelo, de Hans Christian Andersen, Frozen: Uma Aventura Congelante mistura elementos tradicionais da Disney, como um reino em perigo e os números musicais, mas apresenta-os de forma inovadora ao trazer, por exemplo, duas princesas que (mais importante) são de fato as protagonistas da história, criando uma narrativa que trata de superação, aceitação, amadurecimento e, sim, amor. Mas que não envolve esperar o príncipe encantado.
A princesa Elsa nasceu com o poder de criar gelo e neve. Quando pequenas, ela e sua irmã mais nova, Anna, eram muito próximas. Durante uma brincadeira, porém, Elsa acidentalmente quase congela Anna, e seus pais a levam até os trolls da floresta que, para curar a garota, apagam suas memórias dos poderes da irmã mais velha. Buscando proteger Elsa, sua irmã e o próprio reino, o rei e a rainha decidem mantê-la afastada de todos, até mesmo de Anna, pelo menos até enquanto ela aprender a controlar seus poderes.
Anos depois, os pais das princesas morrem em um naufrágio e, prestes a ser coroada rainha de Arendelle, Elsa está receosa de receber as pessoas que, por tanto tempo, viveram diante dos portões fechados do palácio. Durante uma discussão com Anna, a agora rainha acaba mergulhando o reino em um inverno eterno e, sentindo-se derrotada por seus poderes, foge para as montanhas, fazendo com que Anna tenha que ir atrás dela para tentar salvar Arendelle e convencer a irmã a voltar.
Assim, desde o prólogo do filme – que rapidamente estabelece suas protagonistas, além de ser tocante e eficiente do ponto de vista dramático – fica claro que o relacionamento das irmãs é o ponto-chave do filme, algo nunca esquecido pela trama. Primeiro longa-metragem da Disney a ser dirigido por uma mulher, Jennifer Lee (co-roteirista do excelente Detona Ralph), ao lado de Chris Buck, esta é, também, a primeira vez desde A Bela e a Fera (1991) em que a única roteirista creditada é uma mulher. Ao trazer duas princesas em sua história, uma delas com uma característica que poderia facilmente torná-la a vilã, e colocá-las no centro da narrativa, o estúdio dá novos ares a suas (e da sociedade) próprias convenções, como aquelas em que o objetivo mais importante da vida de uma mulher é o casamento com um príncipe encantado que garantirá seu “felizes para sempre” e a salvará do perigo.
E o mais fascinante é como Frozen não apenas abandona esses clichês, mas também utiliza-os para criar expectativas no público que, ao não se concretizarem, garantem soluções inesperadas e mais eficientes, além de efetivamente mostrar o absurdo de, por exemplo, Anna querer se casar com Hans depois de conhecê-lo na festa de coroação, algo apontado pelos personagens mais de uma vez. Mas o mais interessante é mesmo a antiga tradição da Disney do “ato de amor verdadeiro” que salvará a heroína e que, aqui, mostra que o amor romântico não é o único, e nem o mais importante, tipo de amor que uma mulher precisa e busca.
Além disso (como já dito), o relacionamento entre as irmãs é o centro da narrativa: enquanto Elsa, crescendo isolada de todos, é melancólica e distante, a alegre Anna também foi afetada pelo isolamento de sua adorada irmã e, assim, sua ânsia por conhecer pessoas e por sonhar com um grande romance são compreensíveis.
Este projeto não funcionaria, portanto, se suas protagonistas não fossem figuras complexas e bem construídas – o que Anna e, principalmente, Elsa, definitivamente são. Com personalidades diferentes, já mostradas através dos cabelos ruivos e nos gestos e falas rápidos de Anna e do loiro quase branco dos cabelos de Elsa e de seu olhar frio e melancólico, as duas também complementam uma à outra. Determinada a salvar a irmã e o reino depois da partida de Elsa, Anna mostra-se uma garota determinada e corajosa, além de divertida e esperta e, sem nada de “princesa em perigo”, é a heroína da história. Já Elsa, umas das personagens mais interessantes da Disney, vive aterrorizada com a possibilidade de que seu imenso poder possa machucar alguém e, portanto, isola-se do mundo, primeiro trancada em seu quarto e, finalmente, fugindo para as montanhas, onde finalmente pode parar de ter medo e de se esconder. A fantástica sequência embalada pela canção “Let It Go”, a melhor entre as ótimas músicas compostas pelo casal Robert Lopez e Kristen Anderson-Lopez, apresenta a libertação de Elsa de forma literal ao trazê-la abandonando os pesados trajes roxos e verdes, cores associadas à morte, e criando com seus poderes um majestoso vestido em um tom de azul que remete diretamente ao gelo.
As sequências musicais de Frozen, aliás, trazem boas canções e ajudam a mover a narrativa. Além disso, é interessante perceber como, durante a canção de amor cantada pelos trolls, “Fixer Upper”, Anna surge desinteressada até o surgimento de versos que se encaixam no arco de Elsa, como “pessoas fazem más escolhas quando estão com raiva ou com medo”. Até mesmo o dueto de Anna e Hans, sobre como “o amor é uma porta aberta”, pode remeter ao relacionamento de Elsa e Anna, já que a porta fechada do quarto da irmã mais velha é uma visão constante do crescimento de Anna e de seu desejo de voltar a ser próxima da irmã. Finalmente, a abertura do filme, “Frozen Heart”, já indica a jornada de Elsa com seus versos sobre o poder e a “magia que não pode ser controlada” do gelo.
Os personagens coajudvantes, por sua vez, também são interessantes e bem desenvolvidos. Enquanto Kristoff é um personagem carismático e corajoso e Hans participa de uma interessante subtrama, o boneco de neve Olaf, usado na medida certa para não cansar e desviar da trama principal, diverte e até mesmo comove com sua paixão e curiosidade pelo calor (e, inicialmente criado por Elsa durante a brincadeira que causou o acidente de Anna, é uma forma sutil de mostrar que o poder da rainha é capaz de ser usado para o bem).
Por fim, o design do longa é um trabalho excelente e aproveita ao máximo as possibilidades do universo gelado em que se passa; longe de ter um visual entediante, os cenários são variados e criativos, passando pela pura neve, por esculturas de gelo, por flocos de neve e por um belo (e triste) momento em que Elsa foge enquanto o gelo que surge de seus passos ilumina a noite escura. A excelência extende-se para a animação dos personagens, desde os rápidos gestos e expressões de Anna até os mais sutis movimentos de Elsa para expressar suas reprimidas emoções, como quando suas mãos tremem ao alcançar a coroa e o cetro ou como ela se movimenta de forma mais livre em “Let It Go”.
Frozen: Uma Aventura Congelante, que merece um lugar entre as melhores obras da Disney, mostra que, quando está disposto a inovar e a arriscar, o estúdio ainda é capaz de grandes filmes – e de ótimas personagens. Um longa com não apenas uma, mas duas protagonistas femininas, cujo relacionamento é mais importante do que com os homens coadjuvantes, é exatamente o tipo de “filme de princesa” que deve ser feito atualmente.
Frozen, escrito por Jennifer Lee, dirigido por Jennifer Lee e Chris Buck,com as vozes (no original) de Kristen Bell, Idina Menzel, Jonathan Groff, Josh Gad e Santino Fontana.