José Padilha é, sem sombra de dúvidas, um dos cineastas brasileiros mais influentes das últimas décadas. Com Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, o diretor escancarou os problemas da força policial repressiva – por mais que isso não tenha ficado claro para uma parcela considerável do público – e as ligações de milícias com políticos midiáticos. Porém, uma de suas obras mais famosas parece ter se tornado uma mancha em sua carreira: a série O Mecanismo da Netflix.
Na época de seu lançamento, O Mecanismo foi alvo de muitos elogios e críticas vindas de classes políticas. Elogios por parte daqueles que diziam que a corrupção no Brasil estava acabando graças à Lava-Jato. Críticas de quem enxergava na operação um mecanismo político que atropelava os ritos jurídicos. Durante o lançamento da segunda temporada em 2019, o diretor fazia críticas ao Sério Moro, mas não de sua representação na série. Hoje, José Padilha concorda com as críticas à representação que fez do juiz e diz que foi enganado por Sérgio Moro, quem retratou como herói. Em entrevista às famosas páginas amarelas da revista Veja desta semana, o cineasta disse:
O Moro é a maior decepção que já tive na Justiça e na política brasileira. Ele virou ministro do Bolsonaro após uma eleição na qual ajudou a eliminar o Lula. E no minuto em que você faz isso e vira ministro do cara que foi eleito, demonstra claramente qual o seu caráter.”
Apesar disso, Padilha não abre mão das críticas que fez ao PT e todos os políticos investigados na Lava-Jato. “Olhando friamente para a Lava-Jato, minha opinião sobre a corrupção revelada na operação não mudou. Não dá para apagar a roubalheira, até porque as pessoas fizeram acordos para devolver bilhões de reais aos cofres públicos. Não tem como negar que, desde o mensalão até o fim dos governos do PT, houve uma corrupção institucionalizada gigante”. E mesmo com essas críticas, o diretor afirma que vota em Lula contra Bolsonaro em 2022.
Lava-Jato à parte, o imperativo do Brasil é tirar o Bolsonaro do governo. Com Bolsonaro e Lula no segundo turno, eu voto no Lula.”
Caso estivesse produzindo O Mecanismo hoje, José Padilha não representaria a operação Lava-Jato da mesma maneira. Ao invés de uma luta de bem contra o mal, a série teria apenas vilões. Nenhum mocinho. Na contramão disso, Tropa de Elite parece enxergar perfeitamente a realidade brasileira. Já que o diretor enxerga no final do segundo termo uma espécie de profecia do que viria acontecer no Brasil nos últimos anos.
A série para a Netflix foi tão polêmica que até afastou José Padilha de uma grande amizade que fez em sua carreira como cineasta. Wagner Moura, que foi protagonista de Tropa de Elite, se afastou do diretor e parou até mesmo de trocar mensagens com ele.
Eu diria que o Wagner teve muito mais clareza que eu com relação à natureza da Lava-Jato. E eu tive mais clareza que ele com relação ao Partido dos Trabalhadores. Os dois estavam errados, na minha opinião […] Eu dou meu braço a torcer, e digo aqui: Wagner, você tinha toda a razão sobre a Lava-Jato. Sem problema nenhum.”
Um dos poucos diretores brasileiros com uma carreira em Hollywood, Padilha também falou à Veja sobre as dificuldades de lidar com a indústria do cinema americano. Enquanto nos seus filmes mais famosos, o diretor tinha controle total da situação, em filmes como Robocop ele precisou abrir mão de boa parte deste controle para o estúdio e produtores.