Garotas é daqueles filmes que você começa assistir sem entender muito bem qual a história que quer ser contada. Sabemos que é sobre adolescência, essa fase impulsiva. A primeira cena mostra Garotas Postermeninas dando duro em um jogo de futebol americano. A cena seguinte as mostra juntas, falando todas ao mesmo tempo, empolgadas. A cena que finaliza a introdução as mostra quietas, já no conjunto de prédios onde moram, e onde aos poucos vão se separando. Até sobrar Marieme (Karidja Touré em sua estreia).

Escrito e dirigido por Céline Sciamma, do ótimo TomBoy, o filme busca compreender a “escalada” de Marieme, ou Vic, a partir do momento que desiste da escola e passa a andar com um trio de meninas que se diverte roubando roupas e trocados, além de encenar informalmente uma realidade onde elas fazem parte de uma gangue. Talvez não apenas encenar, já que outros grupos de garotas parecem se comportar da mesma forma. A violência aqui não é mais do que uma maneira de se impor em um ambiente onde jovens sofrem pressão de todos os lados, e fazer parte de um grupo é vital. Para Vic a pressão já começa na família,  é a mais velha de um grupo de três irmãs, sua mãe está sempre ausente pelo trabalho e seu irmão mais velho é violento e de poucas palavras. E essa é a sua base moral.

Com diálogos pouco expositivos, mas um visual completamente significativo em seus mínimos detalhes – como deveria ser em uma história dominada por adolescentes – , Garotas tem seu ritmo dividido em fases marcadas pela música-tema e um quadro escuro, dando a entender que nossa protagonista passou para uma próxima fase de maturidade. A narrativa não tem pressa em desenvolver a história, o que é ótimo. A decisão de nos fazer “entrar no clima” sem precisar jogar obviedades torna sua narrativa muito mais orgânica, e as surpresas muito mais imprevisíveis. Nunca sabemos se algo de importante irá acontecer ou não, o que faz com que acompanhar cada passo da garota seja uma forma de entendê-la, e o que se passa em sua vida (como a tentativa do irmão de educá-la através de tapas, o que inconscientemente vira seu ato falho ao tentar educar sua irmã).

Garotas Crítica

No entanto, essa não é apenas a história de uma jovem, mas de uma geração, e uma espécie muito específica dessa geração: negros pobres morando nos subúrbios de Paris. Não podemos relevar essa realidade porque ela é importante para entendermos a mensagem e a dinâmica da história. Os personagens dessa história não existiriam – não nesse contexto – se estivéssemos falando de outro tempo, outro país ou outra etnia. É observando suas vidas que entendemos, por exemplo, que elas terem seu quarto de hotel para seus momentos de lazer e intimidade é algo importante. É dessa forma que também entedemos que acompanharmos uma dança inteira das meninas ao som de Rihanna (“Diamonds”) seja tão relevante (e belo, e inesquecível). E, por fim, só considerando todo o contexto conseguimos enxergar que, por mais que vejamos suas vidas ávidas procurando sempre por mais, elas sempre continuam participantes de um mundo vazio e sem esperança.

O mais tocante nessa história é que a força dessas jovens parece virar o combustível de mudanças para Vic. Seu novo nome é uma abreviação de Vitória, e “vitória” é a síntese do que está sendo dito. A mudança é possível, mesmo que o ambiente não seja favorável. O filme não deixa claro se o final é feliz ou não, mas deixa puro e cristalino que a força de vontade dessa jovem é a mensagem mais poderosa da história. Não importa o que tenha acontecido ou o que vai acontecer. Ela não pode deixar se abater e virar uma “mulher certinha”. Seria um golpe mais duro do que ser chamada de puta.


“Bande de Filles” (Fra, 2014), escrito e dirigido por Céline Sciamma, com Karidja Touré, Assa Sylla, Lindsat Karamoh, Mariétou Touré, Idrissa Diabaté e Simina Soumaré.


Trailer – Garotas

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