Duas horas e vinte e três minutos depois do começo de Gladiador II é possível que passe pela sua cabeça uma pergunta bem específica: Por quê existe essa continuação do filme de 2000? Qual a razão de continuar a história desse que é considerado por muita gente como um dos filmes mais importantes de sua geração com 12 indicações ao Oscar e tendo vencido cinco delas incluindo Melhor Filme?
Será que não seria necessário ter em mãos uma história maior? Mais dinheiro para efeitos especiais ainda maiores? Mais personagens inesquecíveis? Qualquer coisa que surpreendesse o espectador?
Gladiador II tem a capacidade de não atingir nenhum desses objetivos. De novo, somente uma pequena intriga palaciana explorada pelo roteiro de David Scarpa e Peter Craig que tem Denzel Washington no centro. Mas com certeza, nada de novo o suficiente para o filme valer a pena, até porque, o resto é tão igual que irrita.
Tudo bem, não é igual, em 2000 a câmera de Ridley Scott olhando para o Coliseu ao redor de Maximus era um espetáculo. Agora, tudo parece meio comum, sem o capricho visual de um filme que pretendia entrar para a história cinema. Gladiador II só será lembrado por ninguém conseguir entender a razão dele existir.
Falando em 2000, Paul Mescal não é Russel Crowe, mas não seria um absurdo qualquer se fosse, mas Lucius não é Maximus e isso é um problema enorme para o filme. Lucius não tem nem de perto uma motivação que seja minimamente poderosa quanto a do herói original, portanto, acompanhá-lo com toda sua raiva contra Roma beira o vazio. Até porque, o que poderia ser uma mínima surpresa, não aguenta nem um terço da história e o que sobra é a pergunta: De onde vem toda essa raiva?
Depois de derrotado pelo exército liderado por Marcus Acacius (Pedro Pascal) e ver sua esposa morta durante a batalha, Hanno vira escravo e logo gladiador quando comprado por Macrinus (Denzel Washington). Enquanto isso, Acacius volta à Roma como herói e lhe é oferecido, pelos Imperadores Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger), uma nova temporada de jogos no Coliseu.
O problema é que os dois irmãos imperadores são completamente malucos, o que cria a necessidade de um possível golpe liderado por Acacius e sua esposa Lucilla (Connie Nielsen). Ssim, aquela lá do primeiro filme e que teve que abandonar o filho Lucius depois da morte do irmão. Como você deve imaginar, Hanno é Lucios e está também servindo de ferramenta para Macrinus em um plano mais complexo onde ele conquistará o poder de Roma.
Convenientemente, Gladiador II é montado sobre uma coincidência que beira alguma “soap opera” gringa. O destino coloca Lucius no caminho do pai herói e da mãe ainda lutando pela liberdade de Roma, que está casada com o cara que ele quer matar mais que qualquer coisa na vida. Com essa “sorte” toda, Macrinus vai empurrando as peças para se tornar, praticamente, a única coisa que vale minimamente a pena no filme. Tanto pelo personagem complexo, quanto pela atuação de Washington.
O ator faz um trabalho que escorre pela tela em cada segundo que ele aparece. Ridley Scott dá claramente espaço para ele tomar conta do ambiente e do personagem, tudo nele parece natural, mas, ao mesmo tempo, visceral e violento. Como se ele sempre tivesse um plano por trás de cada fala (e tem!). E isso fica ainda mais absurdo diante da pouca profundidade dos outros personagens em cena com ele. Não culpa dos atores, mas claramente em razão de um roteiro que não tem nada a oferecer para ninguém.
Joseph Quinn vem se mostrando um ator incrivelmente capaz de qualquer exagero ou sutileza (como em Stranger Things e o novo Um Lugar Silencioso), mas seu Geta tropeça na própria incapacidade do texto de deixá-lo mais natural. Como se ele fosse maluco, mas nem tanto, afinal, biruta mesmo é seu irmão, Caracalla, que acaba ficando preso a uma personalidade mimada e infantilizada que vai surgindo durante a história e acaba deixando seu irmão “normal demais” para ser maluco.
Resumindo: os dois só são idiotas o suficiente para não conseguirem identificar tudo aquilo que está acontecendo ao seu redor, o que enfraquece demais toda intriga palaciana que poderia empurrar o filme para um lugar mais interessante.
Na contramão de todas essas derrapadas narrativas e ideias fraquinhas, o visual de Gladiador II poderia compensar tudo. Compensa, mas não tanto. Diante de 20 anos de evolução digital do mundo, a sequência deveria ser algo que deixaria pequeno o original (Avatar, por exemplo, o fez!), coisa que não acontece. Tudo é bonito, gigante e incapaz de se colocar defeito, mas não empolga. A batalha no início do filme é precisa e impressionante, feita de um jeito que só um diretor da escala de Ridley Scott conseguiria, mas falta apreço e emoção. Como se você não se importasse com os personagens.
Talvez isso seja algo que vem perseguindo o cinema de Scott desde os últimos anos: uma beleza sem fim, mas com uma falta enorme de alma. Desde Perdido em Marte, o diretor parece não conseguir acertar o tom de seus personagens e tudo parece meio esquecível, são cinco filmes desde lá e é difícil até lembrar de todos eles. Gladiador II é apenas mais um desses que deverá ser esquecido.
Mas é difícil saber se isso vem com um desgaste do diretor ou, simplesmente, por decisões erradas antes mesmo de começar os filmes. Como se ele viesse escolhendo contar histórias que não interessam para seu público, ou apenas que são metidas a besta o suficiente para agradar apenas um público que está mais preocupado em celebrar esse gênio do cinema do que aceitar sua fase extremamente ruim.
Um público que talvez fique por aí discutindo a veracidade de tubarões nas batalhas aquáticas do Coliseu em vez de estar tentando entender a razão minimamente coerente de Gladiador II existir.
“Gladiator II” (EUA, 2024); escrito por Peter Craig e David Scarpa; dirigido por Ridley Scott; com Paul Mescal, Pedro Pascal, Connie Nielsen, Denzel Washington, Joseph Quinn, Fred Hechinger, Derek Jacobi e Rory McCann.