Comandada pelo novato Gareth Edwards, que chamou a atenção com seu ótimo longa Monstros em 2010, esta nova versão de Godzilla navega bem entre seus personagens humanos e os monstros que fazem jus aos tradicionais filmes kaiju japoneses. Mesmo caindo frequentemente no melodrama e recorrendo a soluções clichês para estender o drama e a tensão, cria aparições memoráveis do lagarto gigante, e é uma adição bem-vinda à mitologia do monstro.
Abrindo com uma sequência estilo documentário que mostra a primeira vez em que os humanos enfrentaram o monstruoso Gojira (um meio eficiente de estabelecer a história sem recorrer a diálogos expositivos ou narrações em off logo abandonadas), a ação começa em 1999. No Japão, o físico nuclear Joe Brody (Bryan Cranston) e sua esposa Sandra (Juliette Binoche, desperdiçada) trabalham em uma usina nuclear que, durante uma série de tremores incomuns, sofre uma brecha, matando Sandra e outros funcionários. Determinado a provar que aquele não foi um acidente qualquer, Brody passa os próximos quinze anos estudando, até que o fenômeno parece se repetir – e é quando ele reencontra o filho, Ford (Aaron Taylor-Johnson) agora membro do Esquadrão Antibombas e vivendo em São Francisco com a esposa, a enfermeira Elle (Elizabeth Olsen), e o filho de cinco anos. Auxiliados pelo Dr. Serizawa (Ken Watanabe) e por sua assistente Vivienne Graham (Sally Hawkins), eles descobrirão a criatura antiga que parece prestes a acordar.
O roteiro de Max Borenstein (baseado em história de Dave Callaham), então, coloca Ford e os dois lados de sua família – o pai, preso ao passado, e a esposa e o filho, no centro do perigo – comandando a narrativa, mas sem esquecer que o perigo alcança milhões de pessoas. Assim, enquanto Cranston domina o primeiro ato no limite da linha do overacting (que ele chega a cruzar em momentos como o grito exageradamente teatral quando sua esposa morre), o restante do longa é mais dividido entre as diversas figuras que acompanhamos, sejam os personagens nomeados ou figurantes como, inclusive, um cachorro preso pela coleira a uma árvore. Desse modo, o elenco é eficiente ao não chamar atenção demais para si mesmos e, ainda assim, criar personagens multifacetados: enquanto Taylor-Johnson convence como o soldado troncudo e corajoso, a talentosa Elizabeth Olsen consegue, em seus poucos momentos de tela, estabelecer Elle como uma enfermeira competente que, mesmo apavorada pela situação e pela falta de notícias do marido, consegue se concentrar em seus pacientes. Watanabe é uma presença forte mas, por outro lado, é apenas a competência de Sally Hawkins que faz com que sua personagem não seja completamente dispensável.
Afinal, mesmo com o foco humano e a abordagem mais realista, a estrela do filme é, obviamente, Godzilla – e outros companheiros de tela igualmente monstruosos, que aproximam o longa dos da Toho Co., criadora da franquia. Edwards acerta no visual clássico de Godzilla, que realmente parece uma criatura pré-histórica, e na forma como utiliza a criatura – criando ótimas sequências de ação com ele, mas de forma que sua aparição sempre impressione. Assim, é mais do que acertada a decisão de escondê-lo durante a maior parte do filme – quando uma onda o leva a nadar pela cidade e ele finalmente se ergue, apenas a visão de sua perna sendo atingida pelos tiros do exército já é memorável.
Por outro lado, se a imprevisibilidade do comportamento dos monstros é suficiente para manter a tensão constante, o roteiro ocasionalmente insiste em fórmulas batidas para injetar ainda mais drama, como quando Ford cuida de um garotinho separado dos pais, ou quando, durante a sequência na ponte Golden Gate, os ônibus destinados a levar as crianças para um lugar seguro ficam presos justamente no ponto mais perigoso da cidade. E nada explica a decisão dos militares de se aproximar das criaturas com caças, sabendo que o pulso eletromagnético irá desativar os aviões.
Outro trunfo deste Godzilla é realmente retratar o peso que aqueles incidentes causaram em seus ambientes – enquanto a vila em que a família de Brody morava tornou-se praticamente uma selva depois de mais de uma década isolada em quarentena, Honolulu, no Havaí, e São Francisco são tomadas por ruínas e por destroços, enquanto familiares buscam se reencontrar. Algo bem diferente da Smallville casualmente destruída em Homem de Aço. O pânico dos passageiros de um metrô, por exemplo, é palpável e, portanto, a tensão alcança o espectador. A ótima trilha sonora de Alexander Desplat, aliada ao competente design de som, ajudam nessa função – a música cresce junto com o inesperado, com a expectativa, e é interrompida em pontos-chave, como a primeira aparição de Godzilla, quando a ausência de trilha sonora e som eleva a grandiosidade daquele momento.
Godzilla, portanto, honra a tradição dos kaiju japoneses e a fama de seu monstro-título, e Edwards cria um filme-desastre preocupado tanto com as pessoas de seu mundo quanto com a ação propriamente dita. É verdade que, por isso, os personagens poderiam ser melhor explorados; os monstros, por outro lado, são aproveitados ao máximo. Um blockbuster de qualidade, tenso e com ótimos momentos de Gojira, dignos da condição de clássico do gigante.
“Godzilla” (EUA, 2014), escrito por Max Borenstein, dirigido por Gareth Edwards, com Aaron Taylor-Johnson, Bryan Cranston, Elizabeth Olsen, Ken Watanabe, Sally Hawkins, Juliette Binoche, David Strathairn.