Hereditário será lembrado com um dos grandes filmes de terror que o cinema produziu na última meia década. O filme de estreia do diretor Ari Aster estará para sempre ao lado de Corrente do Mal, Corra! e A Bruxa, três outros exemplos de como fazer um filme no gênero ir além do que é esperado.
Hereditário tenta chegar perto do mesmo lugar que A Bruxa chegou. Tanto em termos de referências, quanto do modo como tenta contar essa história familiar de modo tão cru e violento que só isso, sem o sobrenatural, já seria de revirar o estômago.
Mas o sobrenatural está lá, para a felicidade dos fãs do gênero e para a infelicidade de quem gostaria de não ser assombrado por essas imagens algum tempo depois do fim do filme. E talvez ai esteja um dos principais acertos de Hereditário: quando ele resolve ser um filme de terror exposto, ele chega a um limite difícil de permitir que qualquer um permaneça intocado pela dose cavalar de terror.
Entretanto, para não deixar nenhum spoiler no começo do texto, o melhor é fugir dessa segunda metade do filme e falar apenas sobre essa família em luto da morte da avó, que já tinham visto uma doença fazer ela se afastar ainda mais deles. Na verdade, tudo é meio esquisito, e aos poucos o relacionamento entre a falecida e a filha (Toni Collete) vai sendo desvendado e, a cada descoberta do espectador, mais e mais uma insanidade vai tomando conta da filha.
E isso só fica pior quando um acidente violento mata um outro integrante da família, o que faz com que algumas verdades bem obscuras comecem a surgir na superfície do relacionamento dessa família, tornando tudo ainda mais prestes a quebrar… ou pegar fogo, subir pelas paredes, entrar em contato com alguns espíritos, demônios e seitas. Mas tudo isso já é spoiler.
Collete vive Annie, uma artista especializada em miniaturas, o que é uma armadilha para sua mente, já que a permite controlar esses cenários, assim como algumas de suas lembranças e dores, do mesmo jeito que sua mãe controlou sua vida, mesmo depois de sua morte. E Hereditário é sobre isso, não só sobre o controle, mas sim sobre o aspecto familiar desse legado, de não ser possível fugir daquilo que quem veio antes de sua família, daquilo que ela já tinha sofrido.
Annie despeja para o espectador o drama aterrorizante que precedeu seus dias atuais e assusta não só seus novos amigos de uma terapia de grupo, como também quem começa a entender o quanto o destino dessa família só pode ser a tragédia. Ali, no meio daquelas desgraças, quem for um pouco mais atento vai até prever o destino do filho de Annie à partir da morte do tio, mas isso fica para quem fisgar essa dica.
E Hereditário vai espalhando esses pequenos sinais por todo longo primeiro ato para, aos poucos, ir desvendando o terror e loucura do fardo que essa família vai ter que carregar. Aster também escreve esse roteiro econômico que não perde um segundo sequer se não for para expandir o relacionamento desses personagens ou, mais para frente, para criar um ambiente aterrorizante e que não vai deixar ninguém descolar da cadeira quanto mais perto do fim ele chega.
E Aster ainda é um daqueles diretores que sabe onde colocar sua câmera para criar um efeito carregado da beleza estética rebuscada de um pesadelo, mas que enche a câmera com enquadramentos precisos que mais poderiam estar pintados em galerias de arte. Não existe pressa para sua câmera procurar uma aparição, para Aster, vale muito mais a pena olhar para a reação de seu personagem diante de tal situação extrema. Por outro lado, ao invés de apelar para uma decapitação cheia de sangue, prefere acompanhar o grito e os olhos cheios de lagrimas antes da cabeça esquecida e cheia de formigas.
A câmera de Aster é pura aflição, e quanto mais perto chega do final, mais chances têm de extrapolar esse visual que atormenta pela clareza de suas opções, ao mesmo tempo em que deixas as sombras vivas se esgueirando como um sonho ruim onde você não quer acordar, como um dos personagens tenta (em vão) no final.
Hereditário é um terror sufocante, que não te deixa respirar no terceiro ato. Talvez até o filme mais assustador que você verá nesse ano. E o melhor é ir logo se acostumando com o a presença dele nas listas de melhores do ano de muita gente, assim como o nome de Toni Collete nas listas de indicações das premiações do cinema.
“Hereditary” (EUA, 2018), escrito e dirigido por Ari Aster, com Alex Wolff, Gabriel Byrne, Tonu Collette, Milly Shapiro e Ann Dowd