Existe uma infinidade de possibilidades na ficção científica, geralmente quem percebe isso, ou se apaixonado pelo gênero (do lado de cá da tela), ou usa ele para fazer obras incrivelmente sensíveis e poderosas, que é mais ou menos o que acontece em High Life, dirigido pela francesa Claire Denis.
Portanto, não espere algum tipo de sci-fi à lá Interestelar, esqueça a possibilidade de uma missão para salvar o mundo ou heróis entrando em buracos negros para salvar a humanidade (e esqueça aquele livrinho sendo empurrado!). Por um bom tempo você nem entenderá o que está acontecendo em High Life, irá apenas observar Monte (Robert Pattinson) acompanhado apenas de um bebê nessa nave à deriva. A criança é um sopro de esperança, mas é difícil ter esperança diante do olhar perdido de Monte.
Mas existe um carinho nesse mesmo olhar, eles são os únicos sobreviventes dessa nave com jeitão de experimento social. Sua tripulação é formada por jovens condenados à prisão perpétua ou pena de morte que receberam essa nova oportunidade de viajar para o espaço para conseguir a energia de um buraco negro. A tripulação ainda conta com uma médica vivida pela Juliette Binoche comandando um experimento ligado à fertilização das mulheres da equipe.
High Life mostra a vida, começa passando por essa espécie de horta/jardim dentro da nave, e logo chega a esse questionamento de como será essa vida diante desse lugar cercado de morte. Não existe previsão da volta dessa tripulação, e essa desesperança muda as pessoas, aos poucos a vida passa a não valer nada e os instintos sobrepõe a racionalidade. Claire Denis mergulha nesse lado obscuro sem chocar ou explorar essa violência, apenas caminha para o inevitável.
Seus personagens são o resto de uma sociedade, jogados para o espaço por não se encaixarem mais nesse lugar, mas dali nasce a vida, mesmo diante da morte. O questionamento é profundo, Denis te deixa espaço para pensar sobre isso e entrega uma experiência poderosa e visualmente desconcertante, você não sente estar dentro de um “filme espacial” comum, os corpos “boiam” fora de uma nave que mais parece um quadrado sem personalidade, toda tecnologia parece saída de algum lugar bem longe do século 21. Um sci-fi onírico que conversa, principalmente, com as mesmas intenções existências de clássicos domo Solaris.
Na verdade, High Life também poderia ser um pesadelo. Aos poucos surge uma tensão sexual que leva à violência, porém o corpo nu que poderia ser sensual ganha cicatrizes e um orgasmo brutal e visceral. A sanidade só permanece com quem não se permite se levar pelos instintos. Ou seriam esses instintos que o faz permanecer vivo?
Davis não está em busca das respostas, nem das perguntas, quer apenas explorar esse ambiente para criar uma experiência sem certos e errados, mas a oportunidade de sentir e tentar entender. As respostas não estão no filme, mas sim em quem topar passar por essa jornada.
Quem aproveita essa oportunidade de “sentir” é Robert Pattinson. Seu trabalho é impecável, passa pela dor e pela esperança de jeito sutil e potente. O espectador sente exatamente aquilo que Monte está sentindo, da insegurança até a falta de perspectiva, do amor pela criança, até, justamente, a esperança. Ela está lá, High Life não é um filme pessimista, mas sim que deixa um gancho para acreditar que é possível seguir em frente, mesmo sem ter certeza do que vem depois.
High Life é um sci-fi que te permite pensar. Uma daquelas oportunidades onde uma grande diretora usa o gênero para desafiar seu espectador em uma história profunda sobre o ser humano, algo que continua deixando claro o quanto a ficção científica tem o poder para isso, basta bons cineastas apostarem nela.
“High Life” (Fra/UK/Ale/Pol/EUA, 2018); escrito por Claire Denis e Jean-Pol Fargeau; dirigido por Claire Denis; com Robert Pattinson, Juliette Binoche, André 3000, Mia Goth, Agata Buzek, Lars Eridinger, Claire Tran e Ewan Mitchell