O Homem que Elas Amavam Demais parece ter um problema em conseguir definir o lado da história que deseja contar, mas logo isso vira uma virtude, pois não deixa de ser fascinante observar a relação entre os envolvidos sabendo que ele foi baseado nas memórias de Renée Le Roux (Catherine Deneuve) e que, portanto, uma boa parcela na interpretação dos fatos se deve à visão de uma mãe desesperada. Dessa forma, é curioso constatar que a visão que o filme de André Téchiné entrega a respeito de Maurice Agnelet (Guillaume Canet), o advogado responsável por todas as reviravoltas na história (e possivelmente também a última), não parece demonizar de maneira exemplar seu caráter, pois há muitos momentos onde a figura de Maurice parece tudo, menos ameaçadora.
O filme começa contando a história de Agnès Le Roux (Adèle Haenel), que volta após um divórcio para viver na cidade da mãe, dona de um cassino que mostra sinais de decadência, principalmente depois que uma máfia resolve se estabelecer no local e comprar todos os concorrentes, usando-os para lavagem de dinheiro. Na companhia do seu advogado e conselheiro sempre presente Maurice Agnelet, a vida de Agnès se funde à de sua mãe nesse momento crítico principalmente através da figura de Agnelet, que se mostra desde o começo como uma pessoa com um objetivo em mente e disposto a tudo para atingi-lo. Seu comportamento muitas vezes dissociado de seus sentimentos lembra uma versão menos afetada e mais dissimulada de Louis Bloom, personagem de Jake Gyllenhaal no excelente O Abutre (2014), e que também nutria uma obsessão profissional que se mistura completamente com a pessoal.
É através da direção precisa de André Téchiné e do roteiro adaptado com Cédric Anger que Maurice começa a se aproximar, bem lentamente, de sua persona doentia, através de pequenos gestos. Porém, em nenhum momento do longa isso soa injustificado, o que acaba meio que colocando panos quentes na relação entre o advogado, mãe e filha. Dessa forma, só nos resta acompanhar os acontecimentos sem muito por quem torcer, o que parece se tornar um excelente exercício de “imparcialidade”.
Com uma trilha sonora de thriller, a história ainda acaba se tornando uma mistura entre drama familiar e suspense corporativo. Aqui e ali, lembra os filmes mais retorcidos de Almodóvar, quando este se entregava ao caráter novelístico de suas tramas. Téchiné consegue se sair melhor nesse aspecto.
A interpretação de Guillaume Canet como Maurice é uma incógnita tão fascinante quanto deprimente. Seus atos oscilam entre o camarada e o dissimulado, mas não de maneira a soar como um ambíguo. Engessado pela história e diálogos, Guillaume não consegue nem estabelecer uma faceta, nem a outra. Se mostra bipartido sem conseguir ganhar força em nenhum de seus semi-papéis. Mais interessante se torna acompanhar a queda de Renée Le Roux, mas daí o filme decide deixá-la em segundo plano e contar a história de Maurice e suas mulheres (de onde vem o título nacional), mas mesmo assim seu personagem continua sendo desperdiçado.
Infelizmente, há um material prévio que teoricamente deve ser respeitado, e o final acaba se tornando o mais longo e exaustivo, parecendo ter o dobro de duração da história até aqui. Sabemos que a história segue os fatos das memórias da personagem de Catherine Deneuve (que recentemente fez outro ótimo papel em 3 Corações), e teoricamente o andamento da história precisa ser concluído como ocorreu na vida real. Ainda assim, não deixa de ser lastimável constatar que estamos diante de um terceiro ato que Roger Ebert, o crítico de cinema, tanto temia. Diz ele em um dos seus textos (não me lembro agora qual) que quando os roteiristas perderam a direção de para onde a história deve seguir, a solução mais patética (e óbvia) é levar o caso para a justiça. É uma pena que nesse caso, a vida tenha imitado a arte em seu aspecto mais clichê.
“L´homme Quón Aimait Trop” (Fra, 2014), escrito por André Téchiné, Cédric Anger e Jean-Charles Le Roux, dirigido por André Téchiné, com Guillaume Canet, Catherine Deneuve e Adèle Haenel.