[dropcap]I[/dropcap]lha dos Cachorros é um filme que explora várias ideias adultas sobre o formato de odisseia infantil. Para os fãs de Wes Anderson e sua mente criativa e plástica, pode-se dizer com segurança que está tudo ali.
Temos as texturas magníficas e coloridas que dá vontade de colecionar, os planos chapados que lembram as páginas de um livro infantil e… meu Deus!… essa é, assim como O Fantástico Sr. Raposo, uma animação! Provavelmente não haverá nada no design de produção que te deixe insatisfeito, pois cada quadro é um deleite de se ver, e muitos demonstram seu significado através de cores e formas.
Note, por exemplo, o uso do branco para demonstrar como o lugar de pouso do jovem piloto Atari (os nomes dos personagens são simples de lembrar) na Ilha dos Cachorros é inóspito e deserto. O branco contrasta com o ecossistema da ilha de lixo, que possui montes coloridos de comida apodrecendo e matilhas disputando recursos. Ao mesmo tempo, note como nesses grupos de cachorros, em uma disputa inevitável, prevalecem os mais diversos entre si, e não um grupo formado unicamente pela mesma raça (e apesar de nunca ser dito, “A Teoria da Evolução” pode ser demonstrada de maneira simples e sutil em uma suposta história de crianças).
Por outro lado, repare como a inocência deste longo conto narrado por Courtney B. Vance também contrasta com todos os detalhes adultos da história, como a corrupção de um governo e seu autoritarismo no uso da violência, onde um dos seus braços, a propaganda, faz uma lavagem cerebral na opinião pública a ponto deles se desfazerem de seus melhores amigos: os adorados e cada vez mais antropomorfizados cães.
Além disso, como é de se esperar, os personagens cachorros já são crescidos, e possuem vozes de adultos consagrados na arte de interpretar (como Bryan Cranston), o que aumenta ainda mais nossa imersão no drama que é pano de fundo para uma inusitada e divertida aventura, que possui diferentes tons de piadas sendo ditas de maneira espirituosa.
As brincadeiras, por exemplo, em torno das diferentes interpretações entre o mundo dos cães e dos humanos entre o que significa ser um “Oráculo” ou “saber alguns truques”. Ou seja, não é porque a história possui um contexto político e social que Wes Anderson e seus roteiristas precisam tornar a jornada pesada. Ela sempre se mantém leve o suficiente para se agarrar ao lúdico como maneira de escape conforme as mais diferentes atrocidades são cometidas aos cães do filme (e ao seu herói Atari).
Isso, de certa forma, enfraquece a mensagem do autor, que busca de uma maneira mais incisiva que os Estúdios Ghibli problematizar a questão ecológica como um alerta e a questão política como um alerta duplo. No final das contas a história parece inserida em um ambiente hostil, mas que se preocupa mais em isolar a maldade humana como meras falhas de comunicação.
Se o instinto de um cachorro, por exemplo, o diz para morder alguém que o faz carinho, o problema não está no cachorro, mas na compreensão deste ato falho. Da mesma forma, quando um ditador japonês decide isolar todos os cachorros para morrerem em uma ilha feita de lixo, o problema não está no ditador, mas na compreensão de qual o verdadeiro problema que está sendo combatido. As cores e a magia de Wes Anderson divertem e encantam na medida certa, mas a ingenuidade de sua jornada sabota a mensagem para os adultos.
Este é com certeza um filme dotado de todas as características do cinema de autor. Até o jovem herói Atari, de 10 anos, possui uma crush. E impossível não citar talvez a melhor canção-tema de sua filmografia: o hit “I Won’t Hurt You”, da banda psicodélica dos anos 60, The West Coast Pop Art Experimental Band. Sim, Wes Anderson mescla os poderes da infância, dos adultos e das drogas em uma imensa coletânea de ideias coloridas, sonoras, verbais.
“Isle of Dogs” (Ale/EUA 2018), escrito por Wes Anderson, Roman Coppola, Jason Schwartzman, Kunichi Nomura, dirigido por Wes Anderson, com Bryan Cranston, Koyu Rankin, Edward Norton, Bob Balaban, Bill Murray, Jeff Goldblum, Kunichi Nomura, Greta Gerwig, Frances McDormand, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, F. Murray Abraham, Yoko Ono, Tilda Swinton, Ken Watanabe, Roman Coppola, Anjelica Huston.