Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum | A melancolia de um homem sem escolhas

No início da década de 60, o bairro nova-iorquino de Greenwich Village produziu alguns dos principais nomes da música folk norte-americana, incluindo o mais famoso destes artistas, Bob Dylan. Em Inside Llewyn Davis, os Irmão Coen contam uma história (fictícia, mas inspirada na vida de Dave Von Ronk) que é, em sua essência, sobre um homem que não tem outra escolha a não ser viver de música.

Acompanhamos apenas alguns dias na vida de Llewyn Davis (Oscar Isaac); dias como todos os outros na vida daquele músico. Vivendo de sofá em sofá com todos os seus pertences em uma pequena mala ¿ além, claro, de seu violão -, Llewyn tenta retomar sua carreira, agora solo, depois do suicídio de seu parceiro Mike Timlin. As performances em cafés são ocasionais e, sem receber muita atenção de seu empresário Mel (Jerry Grayson), ele decide pegar carona para Chicago e tentar garantir um contrato na gravadora The Grave of Horn, onde Bud Grossman (F. Murray Abraham) declara que “não vê muito dinheiro” na música de Llewyn.

Llewyn, como remarca Jean (Carey Mulligan), não se preocupa muito com o futuro. Afinal, este não oferece muitas perspectivas para ele, principalmente após a perda de seu parceiro musical. Mais uma vez envolvido com uma gravidez indesejada, ele marca um aborto para Jean no sábado e, então, vai para Chicago; de volta a Nova York, ele pergunta a ela como foi o procedimento. “Vai ser no sábado”, ela responde. Ele, então, declara: “Parecia mais tempo, mas só se passaram alguns dias.” É assim que Llewyn vive, com tão pouco que não há muito com o que se preocupar. Os dias se arrastam e a rotina se repete.

Assim, o impecável trabalho de Oscar Isaac (que, depois de se destacar em papéis coadjuvantes, finalmente vive um protagonista) é essencial para que entendamos e, mais ainda, simpatizemos com Llewyn. Com um olhar permanentemente melancólico e cansado, ele é um homem introvertido e com dificuldades de se relacionar com outras pessoas (não é à toa que seu relacionamento mais forte no longa ¿ e ainda assim temporário ¿ seja com um gato) e que, no folk, encontrou uma forma de se expressar. Mesmo arrogante e considerando-se acima de artistas que tocam canções mais populares, ele aceita primeiro o furioso desabafo de Jean e, depois, a rejeição de Grossman com um discreto “okay”. É pontual a cena em que ele se irrita com o pedido do casal Gorfein de que toca uma canção durante o jantar ¿ não apenas porque, como declara, ele não é “um poodle treinado”, mas também porque seus sentimentos não estão à disposição do prazer alheio.

E é por isso que ele se recusa a tomar decisões que poderiam ajudar a deslanchar sua carreira musical mas que, ao mesmo tempo, vão contra suas inspirações artísticas. Se ele não se importa em abrir mão dos royalties sobre uma divertida canção que provavelmente se tornará popular em troca de receber seu pagamento na hora, Llewyn rejeita a proposta de se unir a dois outros músicos e formar um trio – algo que, claro, também mostra o impacto que a perda de seu parceiro teve sobre ele.

A ótima trilha sonora produzida por T-Bone Burnett e Marcus Mumford é, portanto, essencial para mostrar que Llewyn é, sim, um músico talentoso, e as canções regravadas na bela voz de Isaac ajudam a conduzir a história. Os irmãos Coen, por sua vez, comandam a obra com seu talento e precisão habituais e, em uma clima intimista e depressivo, conseguem inserir um senso de humor agridoce que aparece, por exemplo, na gravação de “Please Mr. Kennedy”, no gato perdido dos Gorfein e nos xingamentos e palavrões disparados pela personagem de Mulligan. O elenco secundário, aliás, é eficiente ao conseguir transformar personagens que, mesmo não muito desenvolvidos (a história é, afinal, contada do ponto de vista do fechado e distante Llewyn) em pessoas de verdade.

Ao não inserir grandes reviravoltas ou revelações à trama, os Coen constroem de forma sutil o retrato de um homem que, mesmo vivendo à beira da desistência, luta para conseguir sobreviver da única forma que consegue e para não cair na mediocridade de “apenas existir”. Não é fácil, e o design de produção, que evoca a época e o tom do filme com excelência, é inteligente ao trazer o protagonista literalmente encurralado pelas paredes dos estreitos corredores de dois prédios diferentes. A notícia que ouvimos sobre uma antiga namorada de Llewyn, por exemplo, poderia originar um caminho tomado por muitos cineastas, mas, aqui, não muda a vida do protagonista; é apenas mais uma dor, mais uma angústia com a qual ele terá de viver. E, afinal, não são esses sentimentos os melhores catalizadores da arte?

A conclusão de Inside Llewyn Davis remete diretamente à abertura; as duas cenas, com exceção de algumas diferenças pontuais ¿ e importantíssimas ¿ são praticamente idênticas. O “au revoir!” (“até logo”) com que Llewyn encerra o filme são a conclusão perfeita para este belo filme: seus próximos dias serão também muito similares aos que acabamos de acompanhar: sem lar, sem dinheiro e sem nunca realmente vencer na vida, mas, pelo menos, sempre, com a música.


“Inside Llewyn Davis” (EUA, 2013), escrito e dirigido por Joel Coen e Ethan Coen, com Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Ethan Phillips, Robin Bartlett, Adam Driver, F. Murray Abraham, Jerry Grayson, Stark Sands, John Goodman e Garrett Hedlund.


Trailer – Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

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