Os Insubordinados conta a história de Janete (Sílvia Lourenço), uma jovem mulher que se vê presa em um hospital devido a necessidade de cuidar do pai, um ex-coronel da Polícia Militar internado em estado terminal. Vivendo e convivendo com aquele microcosmo no qual está confinada, ela acaba buscando uma forma de fuga através da escrita, onde cria tramas fictícias policiais com os seus habitantes.
Fazendo uso do preto e branco na construção da fotografia do filme e inserindo narrações em off ao longo de toda a projeção, o diretor Edu Felistoque deixa evidente sua intenção de homenagear os filmes noir da década de 50. Neste aspecto, Felistoque não é apenas bem-sucedido, ele consegue o feito de transformar São Paulo em uma bela e enigmática Sin City, o que contribui de sobremaneira na formação da identidade visual do filme.
O filme ainda conta com transições elegantes fazendo uso de sons diegéticos, como na passagem em que ouvimos os aparelhos que mantém o pai de Janete vivo antes da mudança de cena.
Porém, infelizmente, as qualidades do longa param por aí. Escrito pela própria Sílvia Lourenço, o roteiro acaba trazendo à tela um problema gravíssimo, os devaneios de Janete quando ela está sonhando acordada nunca se mostram interessantes ou mesmo envolventes. As investigações comandadas pela “delegada Janete”, assim como os personagens que habitam suas fantasias, são desprovidos de profundidade tornando a trama central muito mais atraente e fazendo com que torçamos para que “volte” o quanto antes.
Essa sensação, definitivamente, é o oposto do propósito dos sonhos de Janete, deixando claro o quão mal executadas e construídas as sequências são. Além disso, mas não menos importante, são os problemas de edição que o longa apresenta. Especialmente no primeiro ato, a quantidade de cenas onde os cortes parecem se estender de forma demasiadamente – e erroneamente – longa é simplesmente inacreditável. Algumas sequências parecem saídas de um teatrinho escolar de tão fake que soam devido à péssima edição do longa. É não surpresa alguma constatar que a dita edição tenha sido realizada por, não um, mas três editores de primeira viagem: Gab Felistoque, Marina Franzolin e Guga Pera.
Por fim, até mesmo a reverência aos filmes noir acaba sendo contra produtiva pois o filme em diversos momentos se deixar levar pela narração em off, se esquecendo de que, no cinema, mostrar é sempre melhor do que contar. A ferramenta estrutural da dita narração em primeira pessoa foi uma invenção criada à época para tornar as complexas tramas policiais mais acessíveis para o espectador comum. Aqui, com uma terrivelmente simples, a narração em off se mostra completamente desnecessária. Seu uso, se apenas como homenagem, seria algo interessante e diferente. Mas a insistência de trabalhar com a técnica ao longo de toda a projeção é um erro amador e imperdoável de quem não entende bem o material que tem em mãos ou como melhor apresentá-lo ao público.
Assim, é triste constatar que um projeto tão ousado e tão cheio de potencial acabe não chegando a lugar algum. De toda forma, devido à audácia de tentar realizar um trabalho bastante distinto do lugar-comum, Felistoque acaba merecendo que fiquemos de olho nele. Com mais experiência, seu atrevimento pode acabar nos trazendo obras interessantes em um futuro não muito distante.
idem (Bra, 2014), dirigido por Edu Felistoque, com Sílvia Lourenço, Priscilla Alpha, Rodrigo Brassoloto.