No começo dos anos 90 a psicoterapeuta Maureen Murdock estruturou parte de suas pesquisas da ideia de que a Jornada do Herói de Joseph Campbell era um modo perfeito de entender a caminhada desses “personagens”, mas que era algo extremamente ligado ao masculino. Com isso em mente escreveu A Jornada da Heroína, livro que continua essa sua tese de que as mulheres passavam por uma jornada semelhante, mas não igual. Se você quer entender claramente o que ela estava falando, veja Irmãs Separadas.
O filme é um produção greco-alemã escrita e dirigida por Daphne Charizani, mas que trata de uma jornada bem mais longe, em outro continente. Ele acompanha Rodja Xani (Almila Bagriacik), soldado alemã, mas de origem curda do Iraque. Sua mão então consegue asilo na Alemanha, mas sua irmã permanece por lá enquanto luta contra o Estado Islâmico, o que leva Rodja a conseguir uma transferência para lá em busca dela.
Enquanto a “Jornada de Campbell” olha para seus heróis indo “para fora”, enfrentando inimigos e fortalecendo seu espírito, a “Jornada de Murdock” encontra um caminho interior, de cura própria e transformação da alma. Rodja precisa encontrar suas origens para entender seu verdadeiro papel e compreender o que faz sua irmã querer permanecer lutando, mesmo tendo a oportunidade de se tornar “livre”.
A ironia da situação, de Rodja estar ela mesma se preparando para lutar e não entender quem já o faz, empurra ela nessa transformação. Encontrar a irmã é entende sua própria personalidade e força.
As pequenas diferenças conceituais da Jornada da Heroína passam por situações como “identificação com masculino”, “despertar dos sentimento e da morte”, “iniciação à Deusa” e “busca desesperada para se reconectar ao feminino”. As traduções foram feitas agora, acredito até que já existam traduções oficiais do texto, mas o que importa são as intenções. Irmãs Separadas divide sua trama, justamente através desses pontos, e a precisão é impressionante.
Rodja se separa da mãe, encontra alguns aliados homens, viaja e passa por provações, encontra um cemitério à céu aberto e precisa se separar do exército alemão e proteger as mulheres ao seu redor. O que vem depois tem ainda mais spoiler, mas acredite, todo o resto que Murdock cita está lá.
A câmera de Daphne Charizani sabe da importância da clareza desses símbolos, então prima por um filme fácil de ser visto, enxuto e fácil de assistir. A economia dos diálogos e situações geram uma experiência que passa correndo e pontua muito bem cada ponto dessa Jornada da protagonista em busca dela mesma.
A “Jornada de Rodja” pode ser aquela mesma que diversas personagens repetem diante da história, mas também é um caminho que todos passam, da busca pela origem e, no caso dela, pela real Rodja, não àquela que os outros querem que ela seja. Irmãs Separadas é sobre Rodja, mas poderia ser sobre a jornada de qualquer pessoa.
“Im Feuer” (Gre/Ale, 2020); escrito e dirigido por Daphne Charizani; com Almila Bagriacik, Zubeyde Bulut, Maryam Boubani, Christoph Letkowski e Gonca de Haas
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