Jodie Foster não tem medo de cinema. Não tem medo de atuar e despir completamente sua alma diante das lentes de outros diretores (seus dois Oscars e mais duas indicações são um exemplo disso), mas também não tem o menor receio de provocar e desafiar seus espectadores assim que vai para trás das câmeras. E em seu quarto filme, Jogo do Dinheiro, isso fica mais claro ainda: Jodie Foster não tem medo de cinema.
A diretora pega então o roteiro do trio Jamie Linden, Alan DiFiore e Jim Kouf e transforma em um tratado contemporâneo sobre capitalismo, mídia, ganância e a fragilidade das relações entre seres humanos. E tudo isso empacotado como “mais um filmizinho de Hollywood” estrelado por George Clooney e Julia Roberts. Foster já tinha feito algo semelhante ao tratar da depressão no incrível (porém esquecido) Um Novo Despertar, com Mel Gibson.
Jogo do Dinheiro então tem um pouco dos midiáticos Montanha dos Sete Abutres, O Quarto Poder e Um Dia de Cão. Nele, Foster conta a história de Lee Gates (Clooney), apresentador espalhafatoso de um programa diário que trata do mercado de ações, mas que, depois de um erro de previsão, acaba sendo mantido ao vivo sob a mira da arma de um espectador furioso, vivido por Jack O´Connell, que tem o objetivo de desmascarar a empresa cujas ações despencaram e ainda expor a ferida que se tornou toda Wall Street. Junto dos dois, mas na verdade sem nunca nem se verem, Julia Roberts vive a diretora do programa, que é obrigada a mantê-lo no ar enquanto o “sequestro ao vivo” chega às TVs do mundo inteiro.
É lógico que sobre tudo isso existe um filme bem encaixadinho, um suspense onde do lado de fora a polícia pensa num jeito de resolver o caso e do outro a tal empresa das ações que caíram precisa contornar essas acusações (ainda que fique logo de cara claro sua culpa). Mas tudo isso está ai para dar espaço a uma discussão que pode muito bem continuar depois que as luzes se acenderem. Uma discussão que parte justamente da relação entre os três personagens dentro do estúdio: até onde a ganância e a mídia podem chegar? E o quanto isso é perigoso e efêmero?
“Efêmero”, pois é fácil imaginar que situações extremas e que colocam pessoas em situações além do limite, como em Jogo do Dinheiro, acabem servindo apenas como distração durante uma pausa para um café ou entre um gol e outro de Pebolim. No momento seguinte o mundo segue adiante e apenas os envolvidos parecem ter a percepção de que aquilo realmente aconteceu e teve o peso maior do que a criação de um novo Meme das redes sociais.
E essa coragem de esfregar na cara de seu espectador essa enxurrada de provocações ainda vêm em parceria com uma técnica afiada e precisa. Foster aposta em alguns planos sem cortes no início para posicionar a geografia e a veracidade de seu mundo, mas não se mostra refém desse tipo de apuro técnico. No resto do tempo se mostra mais uma vez uma diretora sensível, que faz apenas o necessário para que sua história seja contada, e com a percepção de quanto precisa valorizar o material que tem em mãos, tanto o roteiro, quanto seus atores. E que atores.
Clooney parece ser o cara certo para aquilo, vagando perfeitamente bem entre as várias camadas do personagem. De um palhaço de circo a um expert em finanças, ao mesmo tempo que vai da seriedade, ao medo e à tristeza com uma facilidade que cria um personagem incrível. E se tem alguém que percebe isso é Julia Roberts, que por pura experiência, cria uma personagem contida, que não se abala, mas que deixa uma humanidade vazar a cada momento de tensão. Muito provavelmente sem os dois Jogo do Dinheiro se tornasse um filme esquecível, já que não chamaria a atenção dos espectadores, com eles, além de entregaram trabalhos incríveis, ainda fazem do filme de Foster um daqueles grandes filmes do ano.
E a parte de “grande filme do ano” nem por um segundo pode soar como um exagero, já que Jogo do Dinheiro já pode sim se considerar uma das melhores produções de 2016, e não só pelo elenco incrível e pelo roteiro moderno e atual, mas, mais do que tudo, pela coragem de Jodie Foster de colocar seu nome em algo tão desafiador. Mas como eu disse lá no alto, se tem uma coisa que ela não tem medo, é de cinema.
“Money Monster” (EUA, 2016) escrito por Jamie Linden, Alan DiFiore, Jim Kouf, dirigido por Jodie Foster, com Julia Roberts, George Clooney, Jack O´Connell, Dominic West, Giancarlo Esposito e Caitrione Balfe.