O primeiro filme de John Wick parecia ser sobre um cachorro morto, nunca foi. Naquele ponto também ninguém pensava naquilo como uma série, mas três filmes depois, é quase impossível desprender uma coisa da outra. John Wick 4: Baba Yaga é a realização disso tudo. Do cachorro até um épico de ação que, com certeza absoluta, mudou a cara do gênero no cinema.
São 170 minutos de pouca falação e muita porrada, tiro, estocada, mais tiro, carros, motos, cachorros e mais qualquer coisa que possa se tornar uma arma nas mãos de John Wick (Keanu Reeves), seus aliados e inimigos.
O roteiro de Shay Hatten e Michael Finch é de uma economia inspiradora. Wick resolve que vai se vingar de todo mundo, descobre que um novo representante da Cúpula, o Marquês de Gramont (Bill Skarsgard), tem um plano para matá-lo, o que faz com que o protagonista procure por novos (velhos) aliados.
Mas não se engane, esse quarto filme continua sendo um show de John Wick versus o mundo. São cinco cenas de ação que parecem não ter fim e que ultrapassam qualquer expectativa dos fãs. Coisa que já vinha sendo feito nos filmes anteriores, mas que alcança um patamar ainda maior e mais divertido, empolgante, violento e caprichado.
A percepção de Chad Stahelski em termos de cinema só vem melhorando desde o primeiro filme. Tudo está ainda maior, mais complexo, mais dinâmica e com ainda mais ritmo, clareza e potência. Junto com a direção de fotografia do duas vezes indicado ao Oscar Dan Laustsen, absolutamente qualquer coisa que acontece na cena poderá ser vista pelos espectadores. Junte isso a algumas movimentações de câmera que darão nós nas cabeças dos mais atentos. Os planos longos não escondem nada e ainda entregam tudo aquilo que os fãs querem ver. E o mais importante, sem nunca parecer estar forçando isso.
Não existe pretensão dos realizadores de assinarem o filme com qualquer coisa que não esteja à disposição das cenas de ação e do fiapo de trama. A transição de ambiente dentro das cenas é sempre magistral e nunca deixa o espectador perdido. Algo tremendamente importante em um filme onde suas cenas de ação duram dezenas de minutos e percorrem áreas enormes enquanto John Wick apanha e bate em uma proporção divertidamente assustadora.
Wick enfrenta carros nas ruas de Paris, depois uma multidão de vilões em uma casa abandonada, mas a câmera de Stahelski e Lausten faz questão de voar por cima da ação em um plongee (câmera por cima) que recorta o ambiente enquanto dezenas de pessoas surgem dos quatros cantos para matar Wick. E tudo isso culmina na subida de uma escadaria quase mitológica, assim mesmo, sem respirar e nem deixar ninguém no cinema buscar ar.
Junto a isso um trabalho de dublês e coreografia que transforma o filme em um incrível balé de violência. O “timming” de tudo em cena é maravilhosamente bem pensado e executado, tudo em uma harmonia empolgante com os cenários cheios de estilo e um trabalho de design de produção que faz tudo parecer feito um para o outro. A grande discoteca na Rússia junta uma multidão gigantesca, mas nada nunca parece estar descontrolado ou sem função.
O hotel em Osaka é lindo, assim como a sequência por lá demonstra o enorme esforço de mostrar ainda mais profundamente em toda mitologia desse mundo de assassinos e ainda as diferenças e personalidade de cada lugar onde toda essa organização de assassinatos ainda perambula invisível pelos olhos do mundo. O que não falta em John Wick 4 é personalidade, cada sequência, personagem e decisão da trama passa por essa vontade de ser única. E ver novidade no cinema em um gênero é maravilhoso para os fãs tão órfãos desse tipo de surpresa, o que acaba também sendo uma das melhores coisas que se pode encontrar quando decide mergulhar no escuro de um filme de ação. O tradicional do mundo de John Wick é novo e completamente divertido.
Enquanto o primeiro John Wick não foi nunca sobre o cachorro, esse quarto filme continua sendo sobre esse homem que não consegue encontrar a paz. Só isso mesmo. Para alcançar isso ele precisa se transformar em um dos filmes mais esperados do ano e uma franquia que fez o gênero repensar suas intenções. E sempre que isso acontece, quem ganha é o espectador.
Curiosamente, nos últimos 30 anos, na maioria das vezes que isso aconteceu, quem estava no cartaz era uma mesma pessoa. Keanu Reeves estava em Caçadores de Emoção, Velocidade Máxima, Matrix e agora em John Wick, quatro filmes que definiram o que veio depois deles e, com convicção, coloca Reeves, definitivamente, em um patamar de lenda do cinema. Pode parecer exagero, mas assim como ninguém conseguiu dar cabo de seus personagens na tela, vai ser difícil negar sua importância.