Joias Brutas | Segure o fôlego e mergulhe no fundo do poço


[dropcap]A[/dropcap]ssim como o pedaço de pedra preciosa que está no foco de Joias Brutas, o novo filme dos irmãos Safdie é algo não lapidado e frustrante. Belíssimo, cheio de cores e até meio mágico, mas fadado à tragédia. E se tudo isso é uma enorme mentira, tudo bem, ninguém está esperando nada mais que isso mesmo.

Mas talvez isso tudo, esse exagero de emoções e impressões afastem o público de Joias Brutas, o que não é surpresa. A intenção clara de criar uma história truncada, depressiva e que ruma cada vez mais para o fundo de um poço que parece não ter fundo é uma experiência que não agrada todo mundo. Ainda mais quando no meio disso tudo está um personagem pouco, ou nada, simpático que consegue tomar todas decisões erradas.

O mesmo personagem ainda serve de ferramenta para Adam Sandler lembrar todos que é um ator competente quando tem a oportunidade de estar frente a frente com um filme que lhe permita esse tipo de oportunidade. Não se esqueça de seu nome em pôsteres de filmes como Ta Rindo Do Que?, Reine Sobre Mim e Embriagado de Amor.

Mas é lógico que ficar estrelando comédias sem pé nem cabeça onde o “punch line” é um defeito de outro personagem ou a escatologia escapando de algum orifício de alguém, não irá fazer com que o público respeite sua capacidade de ser reconhecido como um ator interessante, portanto, a culpa é só dele.

O que os irmãos Safdie fazem por ele é leva-lo a sério, e isso por si só já é um bom chamariz para o filme, principalmente por lhe oferecerem alguém completamente sem graça, sem moral, sem interesse, covarde e triste. Apostar em alguém assim como protagonista de sua história já um desafio respeitável. Portanto (como eu disse), ou você embarca nisso, ou rejeita completamente essa experiência.

Joias Brutas é então esse filme cheio de gente gritando, se provocando e se enganando, repleto de mentiras e personagens que parecem mais reais do que deveriam. No meio disso tudo está Howard Ratner (Sandler), um vendedor de joias viciado na possibilidade de levar vantagem, não no jogo ou na enganação, mas sim no poder de fazer com que aquilo se torne uma oportunidade gigantesca.

No filme você não ficará sabendo se esse amontoado de decisões erradas vem da necessidade de tentar sair de um buraco onde se meteu, uma dívida que coloca dois capangas dentro de sua loja, ou se nada disso é uma novidade na vida desse cara. O filme começa então com uma oportunidade perfeita, uma opala ainda não lapidada que vai tirá-lo do sufoco. Isso se não entrasse em cena um astro do basquete, muitas apostas, uma dívida que não para de aumentar, uma amante e uma família que parece rejeita-lo.

A ideia dos irmãos Safdie é tentar acompanhar o quando tudo isso pode dar errado antes de dar certo, mesmo que isso não mude nada. A tragédia é um círculo vicioso, o que começa violento, sangrento e exposto, acabará do mesmo jeito. Os diretores estão mais preocupados com o quanto isso se liga, do que com o destino das apostas e da própria joia.

Assim como a opala, os irmãos Safdie não lapidam essa realidade, tudo é visceral, real demais e quase incômodo de tão próximo e dolorido. Sua câmera não nega o nervosismo de um plano detalhe quebrando a visão mais ampla da cena, nem foge de se espremer enquanto acompanha o personagem pelo escritório apertado. E cria essa intenção inicial para te levar diretamente até o final surpreendentemente tenso e bem organizado. Por alguns minutos, depois de correr por todos os lados como uma galinha vendada, Joias Brutas senta e vê um jogo de basquete que pode mudar a vida de absolutamente todos envolvidos no filme. O peso desse final do segundo ato é tão poderoso que é o contraponto perfeito diante de toda histeria do resto do filme.

O roteiro também escrito pelos irmãos Safdie sabe disso e tem uma precisão enorme. No final das contas, como os cineastas gostam de demonstrar, nada daquilo que você viu antes é desperdiçado, tudo é apenas uma desculpa para culminar nesse final poderoso e que resume absolutamente bem todo o filme.

Joias Brutas atravanca ainda mais essa experiência visceral e incômoda com uma trilha sonora que parece não casar, nem com a época do filme, nem com o clima que os irmãos Safdie estão jogando na tela. Não um erro do compositor John Lopatin, mas sim uma característica de seus trabalhos, sempre cheios de personalidade e jeitão esquisito. Lopatin já tinha feito uma trilha similar em Bom Comportamento, último filme dos irmãos Safdie, e o resultado é a mesma sensação exótica e excêntrica, como se nada ali estivesse querendo seguir um mesmo rumo e estivesse fadado ao desastre.

Assim como Bom Comportamento, Joias Brutas parece criar essa assinatura do trabalho dos irmãos Safdie, uma mistura de estudo de personagem com um pessimismo dilacerador. Uma vontade de acompanhar essas pessoas até o limite de suas decisões erradas. E se por um segundo em Joias Brutas você acha realmente que tudo dará certo, tudo bem, é desse respiro fundo antes de mergulho que eles parecem estar interessados. Portanto, segure o fôlego o quanto puder, porque esse poço só fica mais fundo.


“Uncut Gems” (EUA, 2019) escrito por Benny Safdie, Josh Safdie e Ronald Bronstein, dirigido por Benny Safdie e Josh Safdie, com Adam Sandler, Julia Fox, Tonny Kominik, Lakeith Stanfield, Eric Bogosian, Idina Menzel e Kevin Garnet.


Trailer do Filme – Joias Brutas

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