[dropcap]J[/dropcap]ulia e a Raposa mescla sua trama com um quase estudo de personagem, satisfeito em apenas acompanhar a protagonista conforme ela vive sua vida despedaçada ao lado da filha e de um amigo que ressurge para, quem sabe, elevá-la para além da apatia a que ela se entregou. Dessa forma, a obra mostra-se um retrato multifacetado de uma mulher bagunçada que busca retomar as rédeas da própria existência.
Ainda em luto pela perda do marido, Julia (Umbra Colombo) precisa resolver o que fazer com a casa aos pedaços em que mora com sua filha pré-adolescente, a esperta Emma (Victoria Castelo Arzubialde). A residência é mal iluminada, não há quase nada para comer na geladeira e a existência das duas ali é frugal entre os momentos de felicidade, mas é a única coisa que resta para conectar a protagonista não apenas ao marido, mas a um período de mais felicidade, fartura e status. Afinal, Julia é uma celebrada atriz que há anos não exerce sua arte.
Quando um admirador a reconhece, o momento surge com uma quase ironia diante do afastamento de Julia daquele mundo; trata-se de um raro instante de algo que não poderia estar mais distante do presente dela. Ou, pelo menos, é essa a situação até que Gaspar (Pablo Limarzi), um antigo colega de teatro, ressurge na vida de Julia e a convida a participar de uma peça que ele está produzindo.
Frequentemente tão instável quanto sua protagonista, Julia e a Raposa assume a bagunça da personagem-título e, às vezes, entrega-se a um ritmo inconstante. Entretanto, a diretora e roteirista Inés María Barrionuevo logo se recupera, algo que acontece também graças ao trabalho de Umbra Colombo, que não se preocupa em fazer de Julia uma mulher particularmente carismática; a atriz compreende e abraça os ângulos mais grosseiros dela.
Mas quem rouba a cena sempre que surge na tela é a jovem Victoria Castelo Arzubialde, que constrói Ema com uma naturalidade admirável e que, quando está ao lado de Colombo, rende os melhores momentos do filme. Enquanto isso, Pablo Lamarzi acerta ao compreender que o papel do charmoso Gaspar é apenas o de oferecer um bote salva-vidas para a estagnação de Julia.
Adotando uma direção sem muitas nuances estilísticas, Barrionuevo acerta principalmente no que diz respeito à fotografia de Ezequiel Salinas, que reproduz o caráter cru da obra e investe em uma iluminação que favorece a luz natural mesmo, por exemplo, no ambiente quase totalmente escuro da casa de Julia — que, assim, torna-se ainda mais desolado, ainda mais afastado do que um dia já havia sido, ainda mais fortemente um símbolo de o quão a protagonista está distante daquilo que ela flutua entre o desejo de retomar e a resignação pela perda.
Julia e a Raposa é, portanto, o retrato de uma mulher às voltas com sua vida aos pedaços e que se sai muito bem na caracterização e no desenvolvimento de sua protagonista. Assim, ainda que por vezes tão instável quanto ela, o longa mostra-se é uma experiência envolvente e eficaz.
Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
“Julia y el Zorro” (Arg, 2018), escrito e dirigido por Inés María Barrionuevo, com Umbra Colombo, Victoria Castelo Arzubialde e Pablo Limarzi.