Se poucos cineastas na história do cinema têm uma história tão diversificada, poderosa e curiosa quanto Clint Eastwood, é impossível também não olhar para seus últimos filmes e pensar no quanto suas intenções vem se quebrando diante de uma busca que parece vazia em infrutífera. Seu grande herói americano pode não existir, mas não parar com essa busca se tornou chata e entediante. Assim como seu Jurado N° 2.
Essa busca de Eastwood talvez comece lá em Sniper Americano, com seu herói consciente de suas ações que se tornaram mortes sendo morto pela própria bondade, e vai até seu velho cowboy tentando se redimir para as novas gerações em Cry Macho. Entre eles, olha para o sistema criador de heróis (os Estados Unidos) esmagando seu Richard Jewell e até observa a relação do país com o seu vizinho latino e deixando acinzentada essa história de herói em A Mula. Sem contar, é claro, seu herói incompreendido em Sully e seus heróis de filmes de ação em 15h17: Trem para Paris.
Mas Eastwood não consegue sair dessa busca e talvez chegue até a ter a melhor das discussões morais de todos esses filmes citados em Jurado N° 2, mas não vai muito além disso, e por um período tao curto, que o que sobra é uma trama que se arrasta por algumas conclusões óbvias e um desfile de personagens com opiniões pouco interessantes.
Mas esqueça um herói à lá O Sol é Para Todos, muito menos um herói sufocado por 12 Homens e Uma Sentença, por mais que Jurado N° 2 pudesse beber em ambas as fontes. Aqui Nicholas Hoult é Justin Kemp, um cara perfeito com uma família perfeita esperando por um filho perfeito, que acabou de montar o quarto da criança sozinho e tem um trabalho interessante e seguro em uma cidadezinha mixuruca no meio dos Estados Unidos. E está tudo bem até que ele é chamado para ser jurado de um caso envolvendo o assassinato de uma jovem, provavelmente por seu namorado.
E o que faz a sinopse interessar a qualquer um poderia ser um spoiler, mas não é, já que Justin na verdade é o culpado pela morte da vítima em um atropelamento com fuga, o que faz com que ele se oponha ao resto do juri quando eles não têm dúvidas da culpa do acusado.
Eastwood constrói esse cenário de um jeito interessante em termos morais, afinal seu herói acaba movido pela culpa, mas talvez nunca pelo arrependimento, fazendo com que em certo momento isso se torne uma questão de sobrevivência. Com pouco tempo de filme todas essas encruzilhas já estão ocupadas por suas questões e tudo acaba sem ter para onde ir a não ser o lugar que ele realmente vai. O que é bem chato.
Então, o que poderia ser um Anatomia de Uma Queda se torna apenas um filme com cara de que faria um baita sucesso na Sessão da Tarde com seu tom maniqueísta e punitivista, afinal, o passado problemático do acusado merece ditar seu futuro, mesmo que erro atual não exista. É lógico que o roteiro do filme vai arranhando essa questão até a cena final onde isso poderá ser colocado em prova, mas Eastwood se aproxima demais do protagonista para conseguir eximir o espectador dessa culpa de acabar concordando com ele. Pior ainda, coloca sua esposa (Zoey Deutch) nesse liquidificador moral e permite que ela se torne essa cápsula vazia e egoísta, afinal, “coitado do seu marido”.
Justin acaba o filme como vilão, mesmo que o filme fique o resto do tempo pedindo para você não gostar de todo mundo que pensa semelhante a ele. Como se o roteiro mudasse de ideia no meio da história e decidisse tirar a culpa de seu herói para que ele possa viver sua vida com a consciência limpa.
Jurado N°2 talvez seja o canto do cisne desse cineasta maior do que qualquer gênero ou ideia concebida, que olhou para o cinema com tantos olhares diferentes e corajosos que construiu uma carreira que poucos diretores conseguirão estabelecer. Mas que sempre teve um olhar diferenciado para aquele personagem que está quebrado, velho, esquecido e cansado, mas que descobre ter forças para seguir em frente. Procurou nesses últimos anos, justamente, por essa pessoa que está além do bem e do mal, mas só encontrou, mais uma vez, alguém que está moralmente despedaçado pelo próprio mundo ao seu redor. Como se aceitasse ser aquela pessoa que o mundo espera, mais do que o que ele deveria e queria ser. O (provável) último “american hero” de Eastwood talvez seja o pior de seus vilões.
“Juror #2” (EUA, 2024); escrito por Jonathan A. Abrams; dirigido por Clint Watwood; com Nicholas Hoult, Zoey Deutch, Toni Collette, Adrienne C. Moore, Drew Scheld, Lesli Bibb, Cedric Yarbrough, J.K. Simmons e Chris Messina