Existia uma espécie de subgênero do “coming of age” que explodiu de popularidade nos anos 80 na mesma proporção que serviu de trampolim para carreiras de muitos atores. O modelo era sempre o mesmo: dois ou três jovens meninos que estavam crescendo juntos e tinham que lidar com questões ligadas a sexo, adolescência e trapalhadas, sempre em um mundo em que só eles se consideravam adultos.
Coisas como O Último Americano Virgem, Vida Maluca, A Primeira Transa de Jonathan e Férias do Barulho não foram um sucesso tão grande nos cinemas, mas explodiram no VHS e depois foram a sensação dos canais abertos com sessões de filmes mais noturnas, afinal, sempre sobravam uma ou outra nudez.
Mas o cinema brasileiro é diferente, a gente sempre tem algo a dizer, mesmo diante de uma estrutura tão batida e conhecida. Kasa Branca é exatamente um exemplo disso.
Ainda que o filme e Luciano Vidigal tenha como ponto de partida a história de Dé (Big Jaum) e sua avó Dona Almerinda (Teca Pereira) em um estado avançado de Alzheimer, logo o filme se abre em um “coming of age” onde ele e seus dois melhores amigos, Adrianim e Cardosinho (Diego Francisco e Gi Fernandes) precisam aprender a crescer.
O filme está sempre em torno de Dé e é impossível não se apaixonar pelo personagem e seu esforço para dar o mínimo de conforto para a vó nesses possíveis últimos dias dela, mas Kasa Branca tem coração suficiente para os dois amigos terem também seus arcos, preocupações, amores e esperanças, já que eles começam a tentar ajudar Dé a levar a Dona Almerinda para alguns lugares que encontram em velhas fotos guardadas.
Kasa Branca é sobre isso e também sobre crescer na comunidade periférica da Chatuba, no Rio de Janeiro. Um filme que abraça tanta coisa de um jeito tão honesto, delicado e sensível que tudo parece estar no foco da trama. Principalmente, pois ele sabe que, enquanto acompanha esses que podem ser os últimos dias da Dona Almerinda, tem convicção que é também sobre o quanto os pequenos momentos de felicidade são os mais importante em qualquer idade que seus personagens estejam.

A história de Luciano Vidigal transita pela quebrada acompanhando esses personagens e, aos poucos, vai esbarrando nas pessoas que formam esse pequeno mundo que faz questão de ser ignorado e visto de longe dos holofotes, mas que produz gente incrível, amores sinceros, arte, cultura e esperança. No único momento em que saem da Chatuba para ir até outra comunidade, são interrompidos e extorquidos pela polícia, o que demonstra o quanto esses três personagens parecem presos a eles mesmo e a esse lugar, o que não os impede de prevalecer.
A câmera de Vidigal se posiciona sempre como se soubesse que precisa aproveitar cada centímetro desse mundo e desses personagens. Olha nos olhos deles com vontade de conhecê-los e, por exemplo, encara sempre seu protagonista, Dé, como alguém que não está preparado para perder a esperança, mesmo diante das maiores dificuldades. A atuação de Big Jaum é impressionantes, Vidigal percebe isso e dá ao ator um filme que o enxerga como uma estrela.
Essa humanidade vai caminhando entre os três e nunca faz com que suas motivações escorreguem na preguiça de qualquer tipo de tragédia premeditada, Kasa Branca é difícil, mas tem sempre um bom humor ou uma vontade de passar por cima disso com uma força de quem sabe que no final tudo vai dar certo. Esse ar fresco de emoções toma o filme por completo e afogará os personagens desse sentimento incrível.
Feliz, divertido, emocionante e forte, cheio de espaço para lágrimas e tão bem construído que dói quando você percebe que está acabando e você não terá mais a oportunidade de estar com esses personagens. Até porque, você sabe que esses três meninos acabarão o filme muito mais homens e também muito mais unidos e preparados para enfrentar o mundo.
E se depois de tudo isso, ainda parece que colocar Kasa Branca na mesma prateleira de um “coming of age” americano meio vagabundo dos anos 80 é uma ofensa para ele (foi só uma comparação!), não se preocupe, esqueça isso e o chame de um dos melhores filmes de 2025.
“Kasa Branca” (Bra, 2024); escrito e dirigido por Luciano Vidigal; com Big Jaum, Teca Pereira, Diego Francisco, Gi Fernandes, Ramon Francisco, Babu Santana, Roberta Rodrigues, Ingrid Ranieri e Kibba.