Em 2015, Kingsman: O Serviço Secreto foi uma agradável, estilosa e irreverente surpresa. Agora, Kingsman: O Círculo Dourado mantém a proposta de brincar com os clichês dos filmes de espionagem ao mesmo tempo em que os abraça ¿ e, apesar de ir além da conta em alguns momentos, a sequência consegue expandir seu universo com naturalidade.
Já estabelecido na agência, Eggsy (Taron Egerton) inicia o longa enfrentando Charlie (Edward Holcroft), que não conseguiu completar o treinamento para tornar-se um Kingsman. Logo em seguida, um ataque de mísseis mata todos os agentes secretos, com exceção de Merlin (Mark Strong) e do próprio Eggsy. As investigações dos dois os levam a uma organização conhecida como Círculo Dourado, que produz e trafica drogas sob o comando de Poppy (Julianne Moore). Para ir atrás dela, Merlin e Eggsy juntam forças com a equivalente norte-americana da Kingsman: Statesman, da qual fazem parte os agentes Tequila (Channing Tatum), Whiskey (Pedro Pascal), Ginger Ale (Halle Berry) e o comandante da agência, Champ (Jeff Bridges). Enquanto isso, Eggsy ainda lida com a possibilidade de tornar-se parte da realeza devido a seu relacionamento com Tilde (Hanna Alström), princesa da Suécia.
Se a decisão de praticamente acabar com os Kingsman é um tanto radical, é divertido conhecer a Statesman e perceber como a cultura do local de origem de cada uma (Inglaterra e Texas, respectivamente) influencia o modo de trabalhar e até mesmo os gadgets das agências. Entretanto, se os Kingsman de certa forma tentam modernizar o conceito de cavalheirismo, os Statesman simplesmente abraçam os estereótipos dos sulistas/cowboys. Além disso, Pedro Pascal e Halle Berry (esta última, funcionando muito bem ao lado de Mark Strong, os “Q” de suas agências) são bem aproveitados pelo roteiro assinado por Jane Goldman e Matthew Vaughn, repetindo a parceria do longa original que, assim como este, também é dirigido por Vaughn. Channing Tatum e Jeff Bridges fazem pontas de luxo, ainda que a participação dos atores seja eficiente.
Mais bem explorada é a volta de Henry (Colin Firth) ¿ não, não se trata de um spoiler, já que ele aparece nos materiais de divulgação e trailers. As sequelas de sua recuperação dão o devido peso ao ocorrido e, além disso, ajudam a introduzir a Statesman de maneira natural e coesa no universo do filme. Em muitas sequências, as novas informações apresentadas se contradizem com o que havíamos visto até então, criando furos que, aqui, não existem. Afinal, outra qualidade de ambos os longas é a fluidez na condução da narrativa, que desenrola a trama de maneira envolvente e clara ¿ mérito não apenas de Vaughn, mas também da montagem de Eddie Hamilton, responsável também pela montagem de O Serviço Secreto e parceiro habitual do diretor.
Enquanto isso, a estética e a proposta do filme de brincar com as convenções do gênero fazem com que a vilã de Julianne Moore funcione. Unidimensional e caricatural, Poppy é uma psicopata que, isolada e longe de casa nos confins do Camboja, trouxe para seu território o estilo dos anos 50, presente na lanchonete, na sala de cinema e no salão de de beleza onde ela exerce suas funções de chefe criminosa. Moore diverte ao abraçar o exagero da personagem ¿ que ainda conta com robôs para servi-la ¿, que ela transforma em vilã ameaçadora com seu jeito imprevisível e inescrupuloso. Poppy é uma releitura irreverente de um típico antagonista de James Bond, com um plano grandioso que realmente consegue colocar o mundo inteiro em risco.
E, nesse quesito, Kingsman: O Círculo Dourado se mostra mais ambicioso do que seu antecessor. A guerra contra as drogas e a marginalização de seus respectivos usuários trazem um tom politizado à obra, ainda que isso seja feito de maneira um tanto bagunçada, especialmente no terceiro ato ¿ os planos malignos do presidente dos Estados Unidos (Bruce Greenwood), por exemplo, são simplesmente ignorados depois de certo ponto, como se o longa descartasse o personagem quando deixa de ter utilidade para ele. Aliás, é curioso notar como o político, por mais caricatural, ignorante e preconceituoso que seja, mesmo assim não alcance o nível de ridículo de Donald Trump.
No filme original e na maior parte deste, o senso de humor de Kingsman caminha muito bem pelo irreverente e ousado, mas sem cruzar a linha e tornar-se exagerado. Aqui, porém, há uma sequência específica que isso acontece: aquela que envolve a tentativa dos agentes de colocar um localizador em Clara (Poppy Delevingne), namorada de Charlie. A gag reduz Clara a um objeto, servindo ainda como tentativa falha de inserir algum drama no romance entre Eggsy e Tilde ¿ ora, o fato de ela ser filha do rei e da rainha da Suécia e de ter contraído a doença desenvolvida por Poppy não é o bastante?
O filme também engrandece a tecnologia disponível para os agentes, como o supercarro conduzido por Eggsy no início do longa (e que rende uma eficiente sequência de abertura) ou o laço de Whiskey. As cenas de ação continuam divertidas, ainda que não contenham o frescor do longa original e que tendam a repetir planos e cortes. A trilha sonora, porém, ajuda a tornar esses momentos mais envolventes, assim como a presença inesperada de Elton John ¿ que, de mero participante, começa a se tornar mais próximo da ação conforme a trama avança.
As aventuras do carismático Eggsy como Kingsman e o universo estilizado que o cerca continuam divertindo. Kingsman: O Círculo Dourado, assim, revela-se uma sequência à altura do original, ainda que nem todas as suas tentativas de expandir sobre o filme anterior funcionem.
“Kingsman: The Golden Circle” (EUA/Reino Unido, 2017), escrito por Jane Goldman e Matthew Vaughn a partir dos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons, dirigido por Matthew Vaughn, com Taron Egerton, Colin Firth, Julianne Moore, Mark Strong, Pedro Pascal, Halle Berry, Chaning Tatum, Jeff Bridges, Hanna Alström, Elton John, Bruce Greenwood, Emily Watson, Edward Holcroft, Sophie Cookson, Tom Benedict Knight, Michael Gambon, Poppy Delevingne, Björn Granath e Lena Endre.