Com o lançamento de O Homem de Aço, em 2013, o Universo Estendido DC nasceu com uma proposta mais dark e pesada do que “seus amigos da outra editora”. O problema é que, apesar de ter iniciado de maneira eficiente, ainda que irregular, o DCEU começou a degringolar logo no filme seguinte, Batman vs Superman. Ainda assim, ninguém estava preparado para o desastre Esquadrão Suicida, “fugindo do padrão¿ ao contar a história dos vilões, “desconstruindo o DCEU” mesmo sem ele ter estabelecido nada direito ainda. Mas Mulher Maravilha trouxe a redenção e mostrou, havia esperança para os heróis da DC nos cinemas. Liga da Justiça continua seguindo esse caminho, mesmo tropeçando ocasionalmente.
Isso porque, um dos maiores méritos do DCEU é a força de seus personagens, que fazem parte da cultura popular de forma muito mais intensa do que a grande maioria dos heróis que ganharam as telas com o MCU. Na Liga formada aqui, o menos conhecido é Victor Stone, ou Cyborg, de Ray Fisher, mas todos nós sabemos quem é Batman, Mulher Maravilha, Super-Homem, Flash e Aquaman, mesmo que não conheçamos toda a história de cada um.
Dessa forma, Liga da Justiça consegue unir todos eles em um time que parece completo sem a necessidade de ser antecedido por filmes individuais para cada um ¿ mérito reservado apenas a dois dos maiores heróis, já que o Bruce Wayne de Ben Affleck dividiu seu longa com o Clark Kent de Henry Cavill.
Em sua obra, Diana (Gal Gadot) teve o importante papel de trazer um pouco de otimismo, graça e esperança ao DCEU, missão que ela cumpriu com louvor. Agora, Liga da Justiça consegue transitar bem entre esses dois aspectos (escuridão e leveza), ainda que o lado mais pesado do filme nunca vá tão fundo quanto poderia. A pequena cena de abertura, por exemplo, falha de tal maneira em sua tentativa de estabelecer o Super- Homem como uma fonte de inspiração para os seres humanos que poderia ter sido descartada sem prejuízo algum ao resultado final. Mais eficaz talvez seja a maneira elegante com que o título do filme surge na tela movimentando-se de maneira similar às bandeiras que representam o luto da humanidade pelo herói, simbolizando o quanto essa perda permeia tudo o que veremos a seguir.
Bom, mas vamos à trama: após a morte de Clark, estamos diante de uma ¿escuridão que vai desintegrar o mundo¿ e que dá espaço para que o deus Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) retorne à Terra ao lado de seu exército de alienígenas que se alimentam do medo de suas vítimas. Seu plano maligno? A boa e velha destruição do planeta. Para tanto, ele precisa reunir três cubos conhecidos como as Caixas Maternas ¿ uma está sob os cuidados das Amazonas e outra em Atlântida, enquanto a terceira foi escondida pelos homens que lutaram ao lado desses dois povos na primeira invasão do Lobo, há alguns milênios.
Diante dessa ameaça, Bruce Wayne e Diana recrutam Barry Allen, o Flash (Ezra Miller), Arthur Curry, o Aquaman (Jason Momoa), e Victor Stone, o Cyborg (Ray Fisher), para formar a Liga da Justiça. Enquanto isso, eles ainda devem lidar com a perda do Super-Homem e de tudo o que ele representa ¿ algo especialmente difícil para Diana, já que ela própria ainda está tentando reencontrar-se em meio ao caos e à feiura da humanidade.
E há melhor ano do que 2017 para assistirmos a um filme sobre o quanto nosso mundo está mergulhado no caos e na feira? Entretanto, Liga da Justiça não estende-se na forma com que sua história ecoa a atualidade, principalmente pelo fato de ter escolhido uma criatura nada humana, com capangas mais inumanos ainda, para o papel do vilão. Em seu longa, Diana aprendeu que os homens que ela tanto se dedicava a proteger também eram capazes de maldades impensáveis para ela; aqui, o mal vem de outro mundo, com um ou outro ladrão surgindo ocasionalmente para alívio cômico ou, em certa ocasião, para presenciarmos o poder da Mulher Maravilha ¿ ou seja, sem contribuir em nada para a suposta escuridão que assola a Terra.
Um dos motivos que tornam o Lobo da Estepe um antagonista tão genérico e unidimensional é justamente o fato de que não há uma sensação de algo maligno permeando nosso mundo, apesar de os personagens agirem como se houvesse. A inclusão de uma família russa visa dar uma cara para o conflito, mas não é o bastante para que o filme consiga transmitir a escala do que pode acontecer. Com isso, o Lobo torna-se mais um vilão cujos planos apocalípticos nunca conseguem realmente causar tensão ¿ outros exemplos recentes desse problema são o personagem-título de X-Men: Apocalipse e a Magia de Esquadrão Suicida
Mesmo assim, Liga da Justiça tem um tom coeso e eficiente, algo louvável especialmente se considerarmos que o filme, dirigido por Zack Snyder, foi finalizado por Joss Whedon ¿ que assina o roteiro ao lado de Chris Terrio, que desenvolveu a história junto com Snyder. O humor surge de forma orgânica e sem atrapalhar a seriedade do que está acontecendo, pois a principal fonte das (eficientes) piadas é a dinâmica entre os personagens, que por sua vez, definitivamente, é a principal qualidade de Liga da Justiça.
Com personalidades, traumas, prioridades ¿ e, é claro, poderes ¿ distintos, os seis (ah, você não achava que o Super-Homem ia mesmo ficar de fora, não é?) desenvolvem aos poucos uma harmonia e um companheirismo tocantes, já que, cada um a sua maneira, são pessoas extremamente isoladas ¿ Bruce em sua missão de proteger a complicada Gotham; Diana em seu esforço constante de manter a bondade e a esperança; Barry em sua quase obsessão por libertar o pai, preso injustamente pela morte da esposa; Victor, ainda rejeitando a nova vida que ganhou de seu pai; Arthur, que tenta ajudar a humanidade ao mesmo tempo em que mantém-se escondido; e, finalmente, temos Clark redescobrindo tudo aquilo que o conecta à humanidade.
Com exceção do trio central, o conflito de Victor é o que ganha mais tempo de tela. A subtrama envolvendo o pai de Barry funciona principalmente para quem já a conhece, seja por ler os quadrinhos ou por acompanhar a versão televisiva do personagem, já que aqui Alfred (Jeremy Irons) apenas resume os acontecimentos. Enquanto isso, a breve visita de Aquaman a Atlântida promete um retorno empolgante à cidade aquática no futuro filme-solo do herói e para conhecermos melhor a Mera de Amber Heard. A participação das Amazonas também é eficiente, ainda que a armadura minúscula e nada prática utilizada por algumas delas seja uma mudança bizarra em relação ao filme de Patty Jenkins.
O cuidado com o tom de Liga da Justiça alcança também as personalidades de Bruce, Diana e Clark, que surgem aqui um tanto mudados, é claro, mas ainda assim, as mesmas pessoas que já conhecíamos. Aliás, Bruce e Clark encontram-se em suas melhores formas; o Super-Homem ganha mais nuances, enquanto o longa trata o Batman com um pouco mais de humor. Infelizmente, a Lois Lane de Amy Adams, uma personagem fascinante vivida por uma atriz talentosíssima, continua sendo mal aproveitada ¿ mas, aqui, pelo menos divide uma tocante cena com Diane Lane.
Tecnicamente, o longa é dirigido com competência por Snyder, que traz suas características usuais (câmera lenta, planos que chamam a atenção para si mesmos¿) com eficiência, sem cair no exagero. As sequências de ação são tão genéricas quanto o vilão, mas brilham quando vemos os heróis ajudando uns aos outros e trabalhando lado a lado.
¿A esperança está aí; você só precisa enxergá-la¿, alguém anuncia em certo ponto de Liga da Justiça. A frase exemplifica a tese do filme, mas encaixa-se também na visão que o público pode ter do DCEU. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, e Mulher Maravilha permanece o ponto máximo até agora, mas já podemos nos empolgar com o que ainda vem por aí.
¿Justice League¿ (EUA, 2017), escrito por Chris Terrio, Joss Whedon e Zack Snyder, dirigido por Zack Snyder, com Ben Affleck, Gal Gadot, Henry Cavill, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Ciarán Hinds, Amy Adams, Diane Lane, Connie Nilsen, Amber Heard, Billy Crudup, Jeremy Irons, Joe Morton e J.K. Simmons.