Mafia da Dor | Trambiqueiros de espectadores

Ainda que o assunto seja sério e terrivelmente verdadeiro, Máfia da Dor, novo lançamento da Netflix, erra tanto, até no nome em português (que deveria ser “Trambiqueiros da Dor”), que é difícil o espectador não acabar o com a impressão de que não fazia questão nenhuma de saber nada daquela história, já que ela é parecida com tanta coisa que leva sua importância embora junto desses equívocos.

O filme é baseado no livro de Evan Hughes e que conta a história de uma mulher, Liza Drake (Emily Blunt), que só precisa de uma segunda chance depois de um casamento falido e uma filha (Chloe Coleman) com uma epilepsia meio rara. Mas entre um dança de biquíni e outra em um estabelecimento pouco inspirador, ela encontra Pete Brenner (Chris Evans), vendedor de uma marca de remédio oncológico contra dor.

Máfia da Dor então é aquele mesmo filme que você já viu algumas dezenas de vezes, sobre Liza indo trabalhar na empresa e conseguindo revolucionar a marca através de soluções espertas e inteligentes, mas que logo, conversam com a mais pura picaretagem envolvendo uma rede de subornos e médicos sem ética. Ela vai ficar rica junto com a empresa, até tudo dar errado e entrar em cena algum órgão do governo com cara de FBI para prender todo mundo… não Liza, porque ela se arrepende, lógico.

Como a história é verdadeira fica difícil mudar muita coisa em termos de estrutura. Por mais que tudo seja “meio ficção”, não tem como ir muito longe. O filme envolve a Zanna Therapeutics e o remédio Lonafen, o spray que era vendido como praticamente não viciável, mas que, obviamente, não era. O nome é inventado, mas é inspirado no Subsys, da Insys Therapeutics e estava no Arizona, não na solar Flórida do filme. Mas a ideia é mesmo contar um capítulo da guerra contra os opioides do começo do século 21 nos Estados Unidos.

A direção de David Yates, aquele mesmo que assinou um montão de Harry Potters, é então o responsável por escolher o ritmo do filme, e ele é óbvio. É impossível não se lembrar de coisas como O Lobo de Wall Street e A Grande Aposta, primeiro pela história absolutamente parecida e depois pela vontade de ser recortado e moderno. Mas ambos citados são originais, Máfia da Dor é só mais uma cópia sem graça.

Pior ainda, tem um medo enorme de expor sua personagem principal e deixa suas soluções narrativas beirarem um moralismo meio bobo. Liza dança em uma boate de strip-tease, mas não tira a roupa. Ela mora na garagem da irmã, mas é uma mão incrível, compreensiva e que até negocia a não expulsão da jovem na escola. Ela (Liza) ludibria os médicos e cria um sistema absolutamente repulsivo se você não gosta muito de lobby, mas está o tempo inteiro repetindo que está ajudando os doentes. Tudo muito chato e plano.

Pain Hustlers. (L to R) Emily Blunt as Liza and Andy Garcia as Neel in Pain Hustlers. Cr. Brian Douglas/Netflix © 2023.

Tudo isso para o espectador aceitar sua redenção de terceiro ato sem julgá-la como uma real picareta que foi durante a maior parte do filme. Mas também nada de novo e funcionaria em mais um monte de filmes se não fosse tudo movido a base de uma preguiça enorme.

A montagem de passagem de tempo com música alta é igual a dezenas de outros filmes, as crises com a doença da filha acontecem coincidentemente nos momentos onde Liza precisa mudar os rumos de sua vida. Assim como sua operação absolutamente cara parece mover a protagonista para uma decisão que leva o filme para o final. Mas o roteiro de Wells Tower não se preocupa muito de explicar como Liza ganhou tanto dinheiro, mas não tem dinheiro para a operação da filha, uma resolução que beira a conveniência e atrapalha demais o final do filme.

Mas também você já imagina o final do filme, então tudo bem.

De bom no filme, só o elenco. Emily Blunt é firme e segura, cria uma personagem crível e charmosa quando precisa e delicada quando tem que lidar com suas fragilidades. Evans constrói esse sujeito meio asqueroso e trambiqueiro (em inglês é o que eles chamam de “sleazy”). A química dos dois é perfeita e ajuda o filme a ganhar uma certa simpatia.

Ao lado deles, dela principalmente, Catherine O´Hara (como a mãe de Liza) rende sempre bons momentos, mesmo com pouco espaço de tela. Assim como Andy Garcia, que praticamente rouba o filme cada vez que aparece no papel do dono e criador da empresa, Dr. Neel. Meio doido, exótico e que vai indo e vindo entre calmaria e maluquice. Seu personagem nunca parece estar no ritmo dos outros e quebra qualquer expectativa, o que também é ótimo para o filme.

Talvez os quatro salvem o filme de Yates que, decididamente, ainda está preso à Hogwarts, ou nem isso, já que ninguém nem mais lembra de seus Animais Fantásticos… e logo mais não lembrarão de Máfia da Dor.

“Pain Hustlers” (EUA, 2023); escrito por Well Tower, a partir do livro de Evan Hughes; dirigido por David Yates; com Emily Blunt, Chris Evans, Catherine O´Hara, Andy Garcia, Jay Duplass, Brian d´Arcy James, Amit Shah e Chloe Coleman

SINOPSE – Uma mulher tem a oportunidade de se tornar vendedora de um remédio que acaba com a dor de pacientes oncológicos, mas isso logo se torna um esquema de subornos e decisões imorais… mas com muito dinheiro envolvido.

Trailer do Filme – A Máfia da Dor

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