[dropcap]P[/dropcap]ara fãs de terror, Maligno é uma viagem que no mínimo paga o ingresso, mas vem com um final que pode deixar o pessoal mais antenado em justiça social com um gosto ruim na boca. Angustiante em alguns momentos e tenso em quase todos, ele vai te consumindo por dentro enquanto você acompanha uma história que é à prova da razão humana.
Essa é uma história horripilante demais para sermos racionais e científicos. Ela coloca o espírito de um serial killer morto pela polícia de volta à Terra no corpo de um recém-nascido. Já crescido, Miles (Jackson Robert Scott) é visto como um prodígio pelos pais, Sarah (Taylor Schilling) e John (Peter Mooney), pois aprende rápido e dá sinais de uma inteligência fora do comum. Porém, seus problemas em socializar o tornam uma criança solitária, e aos poucos sua mãe percebe que há algo de errado e sombrio na natureza de seu filho.
Maligo é escrito por Jeff Buhler, que esse ano ainda assina uma nova adaptação de Cemitério Maldito. Jeff insere detalhes da trama que torna aquelas pessoais mais reais e fragilizadas. O pai de Miles, por exemplo, possui um histórico de violência com seu próprio pai, o que o torna impotente como uma voz que contrarie seu menino. Ao mesmo tempo Sarah está encantada por ter um filho especial, e ninguém parece possuir autoridade para punir Miles quando coisas estranhas começam a acontecer em sua volta.
Ao mesmo tempo nós, espectadores, sabemos que Miles não é culpado. Ele entra em transes e realiza ações perversas, mas quando volta sabemos que ele conscientemente não as fez. E isso torna tudo muito mais complexo, já que ao mesmo tempo que temos uma criança sinistra em casa essa mesma criança também é uma vítima.
Todos esses elementos já foram abordados em vários filmes de terror aqui e ali, e Maligno não tenta reinventar nada disso. Seu diretor, Nicholas McCarthy, usa a batida cartilha hollywoodiana do gênero em uma história que merecia um tratamento mais artístico. Porém, como a trama é boa do começo ao fim ela acaba adicionando um belo exemplar à antologia norte-americana, regionalizando o que poderia ser universal.
A atuação de Jackson Robert Scott como Miles é icônica. Há um preparo muito competente de uma criança em uma atmosfera onde ela precisa falar palavrões bem feios e machucar pessoas. Ou seja, há momentos que sabemos que Jackson não poderia ter participado integralmente da cena, mas ainda assim não é possível percebermos como. E nisso a produção de Maligno merece aplausos, pois é muito difícil tornar uma criança um ser complexo dentro de uma história de terror, e não um mero fantoche para assustar os incautos.
Ao mesmo tempo Taylor Schilling (da série Orange is The New Black) consegue compreender que o papel de mãe compreensiva e apoiadora possui seus limites, e ela consegue de maneira sutil demonstrar como é possível a uma mulher nessa situação manter seu instinto maternal e ao mesmo tempo manter em suspenso sua própria razão e tentar o impossível. Ela possui a cena mais difícil no terceiro ato, onde mãe e “filho” se revelam de uma maneira difícil de esquecer.
Como havia dito, Maligno pode não agradar os que precisam que mesmo o terror siga uma cartilha politicamente mais correta, principalmente no que diz respeito à violência contra a mulher. Isso gera um problema complexo do ponto de vista artístico: como chocar e ao mesmo tempo “dar exemplo”? Esse filme não encontra a resposta, mas ainda assim sua história é irrepreensível do começo ao fim. O terror como gênero se coloca à prova de julgamentos morais.
“The Prodigy” (Can/EUA, 2019), escrito por Jeff Buhler, dirigido por Nicholas McCarthy, com Jackson Robert Scott, Taylor Schilling, Peter Mooney, Colm Feore.