[dropcap]O[/dropcap] belíssimo representante da Tailândia no Oscar 2019 desenrola-se como um conto sobre o amor, redenção e a beleza em meio ao luto e a dor da perda, tudo isso temperado com simbolismos e rituais da cultura tailandesa que surgem como formas particulares de expressar aquilo que é universal. Assim, Malila apresenta sua história de maneira tão delicada quanto a flor que lhe dá seu nome.
As flores brancas da jasmim, chamadas de “malila”, são a base para as frágeis e etéreas estruturas esculpidas por Pitch (Anuchit Sapanpong). Depois de um apaixonado relacionamento, ele e Shane (Sukollawat Kanarot) afastam-se, mas se reencontram por acaso no mosteiro em que Pitch agora vive. O amor entre os dois logo é reacendido e, então, Pitch revela a Shane que está nos últimos estágios de um câncer e que, depois de uma série de tratamentos, decidiu afastar-se da quimioterapia até a doença levá-lo — o que não demora a acontecer. Shane decide permanecer no mosteiro e mergulhar na vivência budista como forma de aproximar-se do amado e lidar com seu processo de luto. Ele ainda carrega dentro de si a dor pelo fim de um outro relacionamento e pela morte de sua filha pequena.
A diretora Anucha Boonyawatana conduz Malila a partir de um tom contemplativo e paciente, baseando-se principalmente no simbolismo representado pelos trabalhos de Pitch com a flor de jasmim para estabelecer o que tem a dizer. Nesse sentido, é especialmente significativa a ocasião em que Shane auxilia Pitch a levar uma de suas elaboradas esculturas naturais para as margens de um rio, deixando a água levar e “destruir” a obra. Naquele momento, Pitch “declara” a Shane tudo o que tem a dizer sobre sua morte iminente, por meio daquele trabalho tão delicado que levou horas e horas para ser finalizado e que, justamente por ser temporário e breve, torna-se ainda mais belo e especial.
Se a primeira metade de Malila é focada no reencontro entre os dois personagens centrais e na retomada de um relacionamento que, para ambos, remete a tempos mais felizes e despreocupados, a segunda parte do longa intensifica a conexão com a simbologia e com as culturas tailandesa e budista, que surgem aqui de maneira natural — não é preciso que ninguém entenda exatamente o que está sendo feito ou o que há por trás de um ritual para que possamos compreender o que ele tem a dizer.
Pela câmera de Boonyawatana e com a direção de fotografia de Chaiyapruek Chalermpornpanich, o longa ganha uma textura quase palpável, o que intensifica ainda mais a beleza, o cuidado e o peso de tudo o que acompanhamos aqui.
Repleto de afeto, calor e beleza, Malila é uma obra tão delicada quanto complexa que utiliza o amor entre Pitch e Shane e a introdução do último à cultura de seu amado para falar de perda e da natureza breve, instável e imprevisível da vida.
Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
“Malila: The Farewell Flower” (Tai, 2017), escrito por Anucha Boonyawatana e Waasuthep Ketpetch, dirigido por Anucha Boonyawatana, com Sukollawat Kanarot, Sumret Muengput e Anuchit Sapanpong.