[dropcap]N[/dropcap]ão adianta fugir. Acabou o ano é hora de listas. As de “Melhores Filmes do Ano” quase sempre são razões para discussões e opiniões, mas a grande verdade é que isso já se tornou para os cinéfilos uma tradição maior do que esperar o Papai Noel descer pela chaminé em uma noite com neve.
E mesmo que no Brasil a gente não tenha chaminé e muito menos menos neve, a lista com os filmes que mais “fizeram nossa cabeça” continua firme e forte. “Nossa”, porque, como é de se esperar, além das minhas escolhas, vocês também poderão conferir os dez melhores filmes escolhidos pelos críticos Mariana González e Wanderley Caloni.
Portanto, vamos ao que importa!
Melhores Filmes de 2018*
*(sem ordem de preferência)
Vinicius Carlos Vieira (editor e crítico)
01. Projeto Flórida
Um dos filmes mais sensíveis de sua época. Além da história arrasadora de tão verdadeira, tem duas atuações incríveis: uma da menina Brooklynn Prince e outra do veterado Willem Dafoe. Sean Baker dirige um filme difícil e que, sutilmente, olha para uma série de mazelas que poderiam ser ignoradas, mas aqui são jogadas na sua cara e escorrem em forma de lágrimas | Crítica
02. Hereditário
Um terror de gelar os ossos, um final aterrador e desesperador muito bem filmado. Um filme assustador, não só pelo sobrenatural, mas, principalmente, por olhar de frente para uma família que não consegue lidar com suas perdas e uma mãe que não é capaz de lutar contra sua herança | Crítica
03. Você Nunca Esteve Realmente Aqui
Joaquim Phoenix é uma força da natureza. O filme de Lynne Ramsay é mais do que um suspense de ação, é uma experiência sensorial. Tudo isso envolto em um manto de violência que, ora beira do gráfico, ora o poético, mas sempre surpreende o espectador | Crítica
04. Ponto Cego
Pouca gente conseguirá discutir tantos assuntos importante de um jeito tão eficiente como esse filme dirigido por Carlos López Estrada e escrito pela dupla de protagonistas, Rafael Casal e Daveed Digs. Um filme que realmente sabe que o racismo e o preconceito podem estar em muito mais lugares do que se imagina, isso em um clima que se permite ser tanto sério, quando cheio de humor. Impossível não acabar o filme pensando no mundo que nos cerca | Crítica
05. Aniquilação
Um filme que cresce e toma você assim como as plantas do lugar misterioso onde as personagens entram. Um filme tão cheio de símbolos, metáforas e experiências que permite quase que a gente tenha vários filmes em um só. Nada em Aniquilação é óbvio, mas tudo está ali para alimentar essa fome de significado, essa vontade de fazer algo que reverbere de um jeito único em cada um que o vê | Crítica
06. Roma
Alfonso Cuaron talvez seja um dos maiores diretores de sua geração. Talvez faltasse Roma para que isso pudesse ser afirmado com mais convicção. Sua câmera entrega os planos mais bonitos e sensíveis do ano, isso em uma história sutil sobre alguém esmagada pelo sistema, mas que sabe que é única, não só porque sabe fazer uma posição de ioga dificílima, mas porque consegue se manter firme em sua bondade enquanto segue uma vida que destruiria qualquer um | Crítica
07. The Square: A Arte da Discórdia
Se é tão difícil discutir conceitos, fazer isso com propriedade enquanto conta uma história é algo que para muitos beiraria o impossível. O filme de Ruben Ostlund o faz. Isso, sem receio de sacrificar a sanidade de seus personagens e mostrar o quanto a arte é algo que, mesmo discutida em seus mais profundos meandros, ainda assim pode ser apenas um macaco solto em casa ou um barulho despencando e levando junto a vida desse personagem que não cansa de fazer escolhas erradas. Ou talvez tudo seja apenas um quadrado no chão mesmo | Crítica
08. Custódia
Um filme que expõe feridas e personagens falhos com o arroubo de quem entende que situações se formam através de ações, não de impressões. Um drama sobre verdades e personagens que precisam sobreviver diante delas, verdade que são impostas e aos poucos se tornem desprezíveis. Custódia é um pedacinho do mundo real transportado para as telas em seu prisma mais violento e selvagem | Crítica
09. As Viúvas
Dirigido por Steve McQueen e escrito por Gillian Flynn, esses suspense de roubo é um filme que cresce cada vez que você pensa nele. Sua trama, seus personagens, todas nuances de conflitos e motivações, suas soluções. Não existe nada “fora do lugar” em As Viúvas e são tantos detalhes que formam essa trama que revisita-la mais de uma vez é quase uma obrigação | Crítica
10. Missão: Impossível – Efeito Fallout / A Balada de Buster Scrugs
Empate técnico, justamente por ambos estarem na lista pela mesma razão: inovação. Por mais que ambos não contem histórias que nunca foram contadas, os dois conseguem fazer algo enormemente diferente mesmo dentro de gêneros tão batidos.
Missão Impossível em seu sexto filme mostra que ainda é possível criar novas cenas de ação, novos vilões e um ritmo tão frenético que não te dá descanso em quase duas horas e meia de filme | Crítica
Já A Balada de Buster Scrugs é um tratado sobre o “Velho Oeste”. Não tem nada de novo, mas é sobre todos aqueles arquétipos que constroem o western no nosso inconsciente coletivo . Logicamente, que isso com o “jeitão de ser” dos Irmãos Coen, que torna tudo único.
Menção honrosa
Me Chame Pelo Seu Nome | Trama Fantasma | O Sacrifício do Cervo Sagrado | Pantera Negra | Com Amor, Simon | Ferrugem | Benzinho | Nasce Uma Estrela | Infiltrado na Klan (que saiu do Top 10 nos últimos segundos e é quase o “camisa 11”) | Em Chamas | Antes que Tudo Desapareça | Unsane
Como usar esta lista: Antes de enumerar os 9 (nove) filmes que, acredito, mereçam constar em uma lista de consideração pelo Cinema, explico que listas nunca são exaustivas, nunca são permanentes e nunca são objetivas, mas subjetivas, dependendo do tempo-espaço e da pessoa que a compila. Essa que segue tenta fugir um pouco do lugar-comum, mas que irá falhar miseravelmente porque cinéfilos e críticos costumam enxergar a beleza no mesmo lugar. Porém, eu não assisti a todas as belezas cinematográficas que estrearam no Brasil esse ano, o que me dá um pouco de “ponto-fora-da-curvisse” salutar.
01. Arábia
O épico do trabalhador comum, anônimo, se esse trabalhador conseguisse colocar tudo que sente e percebe no papel e se este trabalhador saísse do imaginário de Karl Marx e da elite que assim o idealiza. Sua filmagem é tão sutil que ela parece uma fina camada estética que se ergue em torno de um ideal de documentário travestido de ficção. Essa linguagem com não-atores tem ganhado ótimos trabalhos atualmente e 2018 com certeza não é exceção (como fica claro na próxima escolha!) | Crítica
02. Ciganos da Ciambra
Um experimento que arrisca utilizar toda uma família (real) de ciganos alocados em uma periferia de uma grande cidade da Itália para contar uma ficção que flerta com a realidade dessas pessoas. E se sai maravilhosamente bem. Ele é tenso, mas ao mesmo tempo solto. Caminha com competência em uma narrativa simples, mas eficiente do começo ao fim. Fica no lugar de “Lazzaro Felice” porque, diferente do vencedor de melhor roteiro em Cannes, este é um filme mais incisivo em vez de simbólico, além de não ter ambições tão grandiosas quanto unir religião e ideologias sociais, algo que soa bizarro (embora eficiente) em Felice | Crítica
03. Você Nunca Esteve Realmente Aqui
Uma mistura de diferentes obras, passando por Psicose, Taxi Driver e Drive. Tudo isso atualizada e sintetizando uma obra original, sagaz e pertinente sobre uma camada inconsciente que existe hoje em dia e é crítica para sobrevivermos como sociedade: ninguém realmente liga para o problema dos outros. Uma expansão da violência urbana com tons extremamente gráficos, mas que choca mais ao não mostrar o que imaginamos | Crítica
04. A Rota Selvagem
Um filme sobre a descoberta de um jovem pela vida adulta que ganha contornos de épico contemporâneo graças à sensibilidade do tema. Passa por criação de cavalos e a empatia, companheirismo e compaixão que surge. Termina em uma espiral de vida real e bruta. Um dos melhores trabalhos americanos sobre o tema. Maduro, realista, visceral e que vai até as últimas consequências, ganhando no processo uma profundidade raramente vista em trabalhos dramáticos como esse | Crítica
05. Djon Africa
A pegada naturalista, quase um documentário, que dá autenticidade à ficção. A paisagem vira parte integrante dessa aventura além-mar, quase como uma figura da natureza. O curioso é que paradoxalmente o protagonista passa a importar menos que as situações vividas. Uma revisita admirável pelas origens de um povo, sua terra, sua cultura, sua língua. E as origens não param no ser humano, mas ecoa por toda nossa linguagem de mamíferos e répteis. Uma mensagem otimista feita pelo universo endereçada para o universo | Crítica
06. O Animal Cordial
Um terror psicológico feito em “terra brasilis” do começo ao fim. Os atores estão praticamente possuídos, assim como a câmera, que vai observando o caos ir tomando conta de um restaurante em fim de noite. Nossa percepção do que é aceitável vai se alterando durante o trajeto, e pensamentos sobre moral e ética surgem no meio de uma espécime do gênero slasher. Quem consegue isso tudo junto merece um pouco de respeito. Sendo uma produção brasileira, então, merece considerações em dobro | Crítica
07. A Garota na Névoa
Um filme que surgiu de um roteiro que foi rejeitado, virou livro de sucesso e por isso foi novamente adaptado para as telas. Tudo pelo seu criador. Se trata de um policial que discute sobre policiais, envolvendo uma trama que entretém ao mesmo tempo que nos faz pensar sobre a linguagem. É um trabalho de peso, com poucas falhas, e que nos faz revirar nossas percepções do que é real. Se trata da trama pela trama, em um trabalho exemplar de sub-gênero independente (Um exercícios de metalinguagem como a próxima escolha) | Crítica
08. Os Fantasmas de Ismael
Há aqui um trabalho quase experimental, mas que é feito de maneira comercial, em uma produção francesa de respeito. O filme não tem respeito por espectadores preguiçosos, que se negam a pensar, o que é uma ótima notícia. Não é perfeito, mas é interessante para refletir a respeito até da sua própria imperfeição e como muitas vezes o processo criativo foge do controle de maneira insustentável, ainda que ecoe eventualmente em nossas memórias | Crítica
09. Vingadores: Guerra Infinita
E por último vem a mega-produção dos estúdios Marvel, que vem fechando uma saga iniciada 10 anos atrás com Homem de Ferro. Juntando os universos de todos seus personagens que habitam um mundo fantasioso onde super-heróis com super-poderes é algo relativamente comum, este é um filme único, pois diferente de outros filmes que encerram uma série, ele encerra várias delas. Quer dizer, encerrar é forçar a barra, já que ele assume de uma vez por todas que não existem mais filmes completos nesse sub-gênero de poderes e magia, mas apenas novos episódios de uma série que tende a continuar para sempre. Se isso é algo promissor ou não veremos, mas é algo inédito até o momento, e experimentos na sétima arte são sempre bem-vindos. Especialmente se outros se dispõem a arriscar centenas de milhões de dólares para isso | Crítica
Mariana González (crítica e colunista “Cinema sem Y”)
01. Trama Fantasma
Uma comédia romântica virada de cabeça para baixo em que Paul Thomas Anderson discute a relação de um artista com sua musa de maneiras crescentemente inesperadas. Teria como não ser o melhor filme do ano? | Crítica
02. Me Chame Pelo Seu Nome
Me Chame Pelo Seu Nome é uma pequena obra-prima em que cada detalhe funciona perfeitamente. Encontrando a beleza e o sublime em cada momento cotidiano, o longa acompanha o romance de Elio e Oliver para falar sobre o processo de amadurecimento do protagonista de forma absurdamente poética, sensível e inesquecível | Crítica
03. Aniquilação
Aniquilação abraça com louvor a intelectualidade da ficção científica e estabelece-se como uma obra tão capaz de trazer simbolismos sobre depressão, autodestruição e perda quanto de discutir a importância da curiosidade e de entendermos (ou ao menos tentarmos entender) a nós mesmos e àquilo que nos cerca. Isso sem falar, é claro, nos momentos de puro terror, na atmosfera surreal e no talento do elenco diversificado e majoritariamente feminino | Crítica
04. Infiltrado na Klan
O mundo melhorou em muitos aspectos, mas a intolerância e a ignorância seguem firmes e fortes. Spike Lee explora isso como só ele poderia fazer ao contar uma história da década de 70 que ecoa de forma assustadora no governo de Trump — e que não está nada distante da nossa própria realidade brasileira.
05. Roma
Um primor técnico absoluto que imprime familiaridade, melancolia e beleza na rotina de uma empregada doméstica mexicana. A autenticidade que permeia a obra é mérito tanto de Alfonso Cuáron quanto da magnífica estreante Yalitza Aparicio | Crítica
06. Em Chamas
Repleto de simbolismos, o etéreo Em Chamas é repleto de angústia, de tensão e de incertezas, o que torna-o atípico mesmo com sua trama convencional. Destaque para Steven Yeun, que constrói aqui um dos vilões mais interessados do ano | Crítica
07. A Casa que Jack Construiu
Sem se levar a sério demais, Lars von Trier reexamina sua própria filmografia (e as polêmicas que a cercam) em A Casa que Jack Construiu, obra autorreferencial repleta de reflexões e nuances e dona de um espetacular terceiro ato | Crítica
08. Hereditário
O melhor filme de terror do ano destaca-se por seus momentos verdadeiramente assustadores, por sua estética cuidadosa e por não ter medo de mergulhar no maligno | Crítica
09. Ponto Cego
Além de ser um dos melhores filmes do ano, Ponto Cego também é um dos mais relevantes. Seja ao falar sobre racismo estrutural, seja ao discutir gentrificação ou apropriação cultural, o longa acerta em cheio e ainda desenrola-se repleto de dinamismo e estilo | Crítica
10. As Viúvas
Reformulando as convenções dos “heist movies”, As Viúvas usa o roubo organizado pelas personagens centrais como ponto de partida para falar sobre a luta das mulheres para encontrarem e tomarem seus lugares em um mundo dominado pelos homens | Crítica