[dropcap]A[/dropcap] estrela de Memórias da Dor é definitivamente Mélanie Thierry. Neste drama psicológico acompanhamos em uma atmosfera sufocante a dor pendente da personagem de Thierry, a mulher que aguarda pelo retorno de seu marido ou pela notícia de sua morte. E a maior dor aqui não é a possível morte, mas a falta de resposta.
Estamos na Segunda Guerra em uma Paris sitiada pelos alemães. Os franceses estão distribuídos em ambos os lados. Marguerite Duras (Thierry), escritora, tem seu marido capturado entre os presos de guerra. Eles são infiltrados dos aliados, mas o inspetor da Gestapo que cuida do caso não sabe disso, ou pelo menos essa é uma versão dos fatos. Marguerite se envereda como uma mulher aguardando pelo retorno do marido na guerra e ao mesmo tempo como uma espiã que tenta obter mais informações do paradeiro dos capturados. O clima sempre é de tensão. Tensão e dor por não saber quando a situação vai se resolver.
O ponto chave deste filme é sua direção. Realizando uma abordagem psicológica da trama, o diretor Emmanuel Finkiel utiliza uma filmagem de closes, de vultos ao fundo, quase indelineáveis de tão distorcidos. O uso da luz é opressiva. Marguerite vive nas trevas em sua própria casa, como uma metáfora para sua ignorância sobre o paradeiro de seu marido e a espera pelo fim da guerra, mas ao mesmo tempo como uma forma de proteção do passado. Dentro de sua casa ainda existe o passado, enquanto que o futuro lá fora está pendente.
Além disso, sobre a criação da tensão, o filme realiza uns truques soltos de interpretação que tornam a ordem e o detalhe dos eventos confusos propositadamente. Em um momento Marguerite se imagina descendo as escadas. Ela observa ela mesma fazendo isso. Em outro momento ela se maquia para sair, e a vemos observando isso. Pode soar confuso, mas a pegada psicológica é óbvia: a observação mental de seus atos, remoendo tudo o que se sabe. E o resultado fica muito melhor no visual. Para finalizar com chave de ouro, o uso de passagens do livro de Marguerite Duras emula com perfeição a descrição verbal de uma espera eterna e angustiante.
A estrela do filme, Mélanie Thierry, faz uma personagem de uma nota só. E essa é a abordagem correta. Ela não é um ser multifacetado, rico e cheio de disposição. Ela está acabada, praticamente morta. Ela se sente morta e ao mesmo tempo lamenta não estar. O peso da consciência e da perda são demais para uma pessoa só. O espectador que se segure em sua poltrona.
Memórias da Dor não é um filme muito empolgante. É para aqueles que topam um filme de estilo temático, quase experimental, tamanho o número de artifícios usados pelo diretor. Indo até as últimas consequências dessa tortura que lembra um pesadelo sem fim, Memórias da Dor é uma experiência angustiante recomendada apenas para os que gostam muito de cinema.
“La Douleur” (Fra/Bél/Sui, 2017), escrito por e dirigido por Emmanuel Finkiel, à partir da obra de Marguerite Duras, com Mélanie Thierry, Benoît Magimel, Benjamin Biolay.