Milagre na Cela 7 | O milagre é ficar acordado

Existe algo de curioso em uma lista de filmes mais vistos de qualquer serviço de streaming. Durante os últimos dias, O Milagre na Cela 7 esteve lá no topo, mas quem será que colocou ele por lá? Será que os espectadores que o assistiram por livre e espontânea vontade ou esse pseudo livre arbítrio foi colocado lá pelo próprio serviço de streaming e seu algoritmo que achou que aquele filme turco “combinava com você”?

Talvez os dois, talvez nenhum dos dois… talvez daqui a alguns dias você nem se lembre do filme e nem entenda porque razão essa crítica foi feita. Mas isso também vai acontecer, pois Milagre na Cela 7 é um embuste melodramático que só não será esquecido tão rapidamente, porque o final guarda uma pequena surpresa que valida parte do esforço da produção.

Mas não se engane, a única tentativa do filme é de fazer você ficar emocionado com essa história bobinha, melodramática, sem uma âncora dramática e que se vê apenas sendo empurrada porá uma vontade estética de estar no horário nobre de algum canal da Turquia, caso eles se interessem por novelas.

A história acompanha Memo (Aras Bulut Iynemli) um cara com problemas mentais, mas que vive muito bem com sua filha de seis anos, Ova (Nisa Sofiya Aksongur). Em resumo, o amor deles é suficiente para que a deficiência do pai seja sobrepujada por alguma desculpa irreal e a presença da mãe dele, uma idosa que acaba cuidando dos dois.

O problema desse primeiro ato chato e exageradamente desgraçado é que Memo acaba sendo acusado de assassinar a filha de um general qualquer da ditadura militar turca nos anos 80, o que o leva para a tal cela 7 enquanto espera pelo enforcamento.

Enquanto empilha essa vontade enorme de fazer com que seu espectador sinta a dor de Memo, Milagre na Cela 7 se arrasta por um segundo ato que “dá pinta” de que irá melhorar o filme, mas é só um anexo ainda mais chato do primeiro momento do filme.

Não existe esperança, a tristeza do personagem vai se acumulando, seu problema mental nunca dá espaço para algo minimamente aflitivo ou bem humorado, somente um protagonista jogado no canto da trama esperando por seu destino lúgubre. E ainda que tal cela seja povoado por um grupo de personagens muito mais simpáticos, você nunca se aproxima o bastante do grupo para fazê-los deles merecedores de um mínimo de protagonismo.

E quanto mais a trama anda, mais os personagens se acumulam na responsabilidade de caminhar com a trama para o tal final surpreendente, diminuindo ainda mais a importância de qualquer um deles.

Mas se Milagre na Cela 7 estivesse realmente preocupado com essa estrutura enxuta, não perderia grande parte de seu tempo buscando essas cenas sentimentais e que poderiam até arrancar algumas lágrimas de seus espectadores se não fossem tão artificiais e interpretadas por um elenco tão ruim. A avó falando com a neta poderia até ser algo interessante se não fosse tão permeado por uma metáfora boba e repetitiva. Do mesmo jeito, os encontros entre o protagonista e a filha nunca se mostram mais interessantes e complexos que um abraço e alguns gritos de felicidade.

Nada em Milagre na Cela 7 sai dessa impressão de amadorismo estético e narrativo. Enquanto parece se escorar na religiosidade daquela sociedade, não parece nunca discutir nada mais do que uma culpa que beira o cristianismo e não deveria ser tão poderosa no islamismo (religião predominante no país). Já no visual, um design de produção pobre e uma direção de fotografia sem vontade de encontrar qualquer tipo de beleza através da luz, fazem com que o filme se torne um desastre tão grande que o maior milagre é o espectador se manter acordado até o final.

Mas não se preocupe, você ainda ouvirá falar de Milagre na Cela 7, já que essa versão turca é, simplesmente, o terceiro remake da comédia dramática sul coreana “7-beon-bang-ui seon-mul”, de 2013. O sucesso da história é tão grande que em 2019, além do turco, uma outra versão filipina também estreou nos cinemas, sem contar a mais recente que deve estrear em 2020 na Indonésia. Portanto, não se surpreendam se Hollywood sacar um remake antes que você consiga acabar de ver os longuíssimos 132 minutos de Milagre na Cela 7.


“Yedinci Kogustaki Mucize” (Tur, 2019), escrito Ozge Efendioglu e Kubilay Tat, dirigido por Mehmet Ada Oztekin, com Aras Bulut IYnemli, Nisa Safiya Aksongur, Deniz Baysal, Celile Toyon Uysal, Ilker Aksum, Mesut Akusta, Yurdaer Okur, Sarp Akkaya e Yildiray Sahinler


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3 Comentários. Deixe novo

  • Que delicia ler isso e saber que não me senti sozinha.
    Fora que é completamente irreal o pensamento do filme no final.
    O acusado se torna livre e vai viver com a filha … (?)
    What ?
    Como um deficiente pode cuidar de uma filha, quando ele e a menina eram cuidados pela avó que morreu ? Como ele vai sustentar ela ?
    Que final feliz de contos de fadas é esse ? ‍♀️
    Pode parecer racional demais e querer lembrar que é apenas um filme… Mas irrealidade não me comove nem um pouco.
    Me fazem ficar pensativa como a sociedade esta doente a ponto de se emocionar com coisas baixas.

  • Parabéns pela crítica consistente que não alimenta a forçação de barra do melodrama – sempre apelativo à “sensibilidade” pelos estereótipos. O ator é fraco e constrangedora sua atuação.

  • Irineu Trentin Júnior
    20/04/2020 23:28

    O filme é bobinho? Pode ser , mas vc pensa estar no alto de um pedestal porque talvez se sinta o supra sumo dos entendidos na sétima arte . A crítica serve pra mesma coisa que serve um assento sanitário , sobretudo porque quando um filme toca ou não toca em alguém, em vão os entendidos fazem sua crítica. E avisa tem outra: em tempos de quarentena, as pessoas estão depressivas é esse é um fator que ajudará muita gente a chorar e a se emocionar com esse filme .

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