[dropcap]E[/dropcap]nquanto no Brasil o novo filme protagonizado pela personagem Lisbeth Salander se chama Millenium: A Garota na Teia de Aranha, nos Estados Unidos o filmes estreia como “A Garota na Teia de Aranha: Uma História da Tatuagem do Dragão” (em um tradução livre). Em ambos, o desespero é muito maior do que os resultados.
O primeiro, pois batizar o filme com o nome da revista onde o personagem Mikael Blomkvist trabalha beira a estupidez, já que a mesma aparece em exatas duas cenas, até porque, o próprio personagem surge relegado a um canto qualquer da história. Do outro lado, no original, é fácil entender o desespero, afinal, ninguém diz que estamos falando de uma continuação do sucesso dirigido por David Fincher em 2011.
Fincher não está por lá mais, nem Daniel Craig e Rooney Mara. Quem não está lá também é uma trama interessante que misturava suspense, violência e algumas boas reviravoltas, tudo em um cenário incrível. A impressão que fica agora é de sair Craig e, ironicamente, entrar 007.
Se a história de A Garota na Teia de Aranha fosse enfiada no meio de um monte de possíveis roteiros para a nova aventura de James Bond, talvez passasse. E só de estarmos falando em aventura, já fica difícil acreditar que tenha saído da mesma franquia de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. Na verdade não saiu, já que esse é um livro escrito depois da morte do autor original, Stieg Larrson.
Mas isso tudo são “maças e laranjas”, não importa como seja o livro, o filme, se queria continuar a franquia, devia ter tentado manter o mínimo de identidade.
E a culpa nem parece ser dos dois pilares mais importantes do novo filme: Fede Alvarez e Claire Foy. Alvarez vem de dois trabalhos incríveis, A Morte do Demônio e O Homem nas Trevas, o que o habilita para manter o visual interessante de Fincher. O diretor uruguaio o faz, seu filme é lindo, suas cenas de ação são claras, suas perseguições de carro são eficientes, as lutas são dolorosas e violentas. Alvarez parece ser um daqueles diretores que sabe se manter afastado da ação para valorizar o trabalho de todos envolvidos o que salva um pouco o pescoço de “A Garota na Teia de Aranha”.
Já Foy, que vem fazendo barulho na série The Crown, ainda seria uma opção tão interessante quanto foi Mara, caso tivesse uma produção melhor a seu favor. De começo é até impressionante o quanto ela se preocupa em emular a Lisbeth de Mara, tanto nos trejeitos, como até na voz, mas logo ela precisa começar a encarar o duro trabalho de ser uma heroína de filme de ação, e ai perde o rumo de seu esforço original.
O grande erro de A Garota na Teia de Aranha está em ter me obrigado a falar em “perseguições de carro”, “lutas dolorosas” e “cenas de ação”. Escrito por Jay Basu, Steven Knight e pelo próprio Alvarez, o novo filme da franquia Millenium conta a história de um programa de computador que pode controlar todo aparato de mísseis do mundo, isso a partir de qualquer computador. Lisbeth é então contratada para “roubar” esse programa da NSA e entregar de volta para seu criador, mas uma gangue chamada “As Aranhas” se mete no caminho.
Como você pode imaginar pelo começo que destrói completamente toda mitologia da personagem criada por Larson nos livros, Lisbeth ainda terá que enfrentar seu passado, encarnado em uma vilã que só se veste de vermelho e salto alto, como se fosse uma caricatura qualquer de algum filme de espionagem pouco interessante.
É fácil perceber que Blomkvist nem está na sinopse, o que é mais que merecido para a pouca importância do personagem, agora vivido pelo pouco empolgante Sverrir Gudnson, que você não deve lembrar de ter visto em lugar nenhum.
Além de criar essa trama maior do que a franquia gostaria, o trio de roteiristas ainda erra a mão nesses detalhes. Blomkvist parece relegado a duas matérias na carreira e uma insegurança que em nada combina com o personagem, um mesmo traço de caráter que arranca Lisbeth de seu próprio domínio. Sua frieza em muitos momentos se torna uma fragilidade emocional que atrapalha quem entrou para o cinema para ver aquela mesma personagem do outro filme. Essa nova heroína ainda parece estar a um passo a frente de tudo, mas acaba se permitindo tomar algumas decisões baseadas em uma emoção que não a raiva. Ter que encarar uma cara de choro e um gritinho desesperado por Blomkvist quando o vê machucado é de cortar o coração de quem enxergava uma complexidade muito maior na personagem.
Talvez A Garota na Teia de Aranha nem seja ruim, mas dai se colocar como continuação do outro, com personagens que já tinham conquistado uma legião de fãs, e seguir por um rumo tão diferente, impede que qualquer um consiga se distanciar dessas referências. Talvez, o desespero por manter a franquia levando dinheiro para os cofres tenha cegado todos que não perceberam que estavam fazendo sei lá qual filme, mas nunca um que honrasse a primeira adaptação do best seller sueco.
“The Girl On The Spider´s Web: A New Dragon Tatoo Story” (UK/Ale/Sue/Can/EUA, 2018), escrito por Jay Basu, Fede Alvarez e Steven Knight, baseado no livro de David Lagercrantz, dirigido por Fede Alvarez, com Claire Foy, Sylvia Hoeks, Lakeith Stanfield, Stephen Merchant, Cameron Britton, Vicky Krieps e Sverrir Gudnason.