Minha Vida de Abobrinha, um dos indicados a Melhor Animação no Oscar desse ano, lida com um tema tão comum, tão simples, tão… bobinho, que a única coisa que resta ao assistir a pouco mais de uma hora de filme é a sensação de ter visto um stop-motion muito bem feito, com uma direção de arte soberba, mas que, justamente por isso, peca ao não empregar quase nenhum de seus detalhes de arte em sua história.
É um filme que assume seu objetivo de ser para crianças, mesmo que supostamente as crianças espectadoras não entendam porque aquelas crianças (do filme) possuem um discurso quase adulto a respeito da vida, ainda que esse discurso seja limitado a entender que elas mereceriam mais, mesmo sem saber por quê. Ah, e que por algum motivo elas não gostam de policiais. Por outro lado, os adultos espectadores que as acompanharem irão gostar imensamente do tom artístico, lúdico e quase onírico empregado. Agora, o que isso tem a ver com a história em si, fica difícil descobrir.
Iniciando com um acontecimento chocante na vida do pequeno Icare, que gosta de ser chamado de Abobrinha (em francês “Courgette”), quando os abusos de sua mãe alcoólatra finalmente têm um fim quando esta sofre um acidente e vem a falecer. Sem maiores delongas, o menino é entregue, através de um policial que vira seu amigo, a um orfanato onde vivem cinco crianças com diferentes origens traumáticas. Uma mãe foi deportada para seu país de origem, ou os pais viciados em drogas o abandonaram, ou até um pai foi preso quando tentou assaltar uma loja para comprar um tênis para seu filho. Logo fica claro que o objetivo da adaptação do romance de Gilles Paris é cativar pela emoção barata.
Porém, pior que isso é constatar que todos os conflitos que ocorrem na história são resolvidos quase que instantaneamente. Dessa forma, problemas recorrentes em histórias do gênero como bullying ou tentativa de abuso de familiares inescrupulosos são passagens que logo se transformam em passatempo em vez de problemas difíceis de resolver na vida dessas crianças. E logo que entendemos que em seguida irá surgir uma resolução, perde a graça acompanhar a história.
O melhor mesmo em Minha Vida de Abobrinha é sua direção de arte e todos os aspectos artísticos que giram em torno daquele mundo criado através de movimento milimetricamente fotografado. Detalhes como a textura aparentemente maleável do gelo ou a grama dura do quintal, além do uso criativo de “matte paiting” – quadros pintados do horizonte – em vez do uso de computação transformam a experiência em uma viagem fascinante pela mente dos criadores de tantas trucagens divertidas e que evocam a poesia na vida infantil. E mesmo que estejamos acompanhando a rotina em um orfanato, ele se assemelha muito mais a um acampamento de verão.
A falta de defeitos de caráter em qualquer um dos personagens, evitando, assim, de criar vilões e mocinhos em conceitos claros, tornando o filme algo sem um arco dramático, que poderia ser parecido com o empolgante Meu Amigo Totoro, que também carece de maiores conflitos que a própria vida. Porém, se em Totoro a emoção de estar vivo é idealizada pelos estúdios Ghibli através do mágico e da natureza, aqui a única coisa que voa alto é a pipa de Abobrinha. E, convenhamos, presa a um fio de pouco mais de cinco metros, ela voa bem baixo.
E assim é o resultado final deste filme, que possui um tom artístico extremamente apurado, com cenas lindas de se ver, mas que por algum motivo parece a todo momento ser apenas um teste, aguardando para que alguma história envolvente seja criada para esse universo. Flertando até sutilmente em ser o início de uma série. Uma série que daria gosto de ver se em seu “piloto” houvesse pelo menos um aspecto cativante de seus personagens. No entanto, eles são quadrados demais até para uma criança achar graça.
“Ma vie de Courgette” (Sui/Fra, 2016), escrito por Gilles Paris, Céline Sciamma, Germano Zullo, Claude Barras, Morgan Navarro, dirigido por Claude Barras, com Gaspard Schlatter, Sixtine Murat, Paulin Jaccoud, Michel Vuillermoz, Raul Ribera
2 Comentários. Deixe novo
Caro Marcelo. Essas emoções não são necessariamente baratas, mas a forma do filme de mostrá-las é. A resposta está no parágrafo seguinte, se você chegou a continuar a ler:
“problemas recorrentes em histórias do gênero como bullying ou tentativa de abuso de familiares inescrupulosos são passagens que logo se transformam em passatempo em vez de problemas difíceis de resolver na vida dessas crianças”
Para comparação, veja “Mary & Max: Uma Amizade Diferente”. A vida de Mary não é nada fácil, e a forma com que vemos ela lidar com seus problemas desde a infância é cativante porque não se rende a soluções fáceis. É um estudo de personagem extremamente complexo que, por comparação, torna as crianças de Minha Vida de Abobrinha infantil demais para temas tão sérios.
A vida real, ou melhor, abandono de crianças, abuso de drogas e criminalidade que deixam crianças em situação deplorável agora é chamado de “emoção barata”.
Para coxinhas tudo que foge ao seu mundinho de shopping centers, cursinhos de inglês e viagens é “drama barato”.
Logo, não se poderá fazer filmes mostrando a realidade de ninguém que sofre, pois será apenas “emoção barata”. Para vocês só existe o draminha burguês sobre não conseguir ser Ceo de empresas ou não conseguir ter um livreco lançado pela HarperCollins. Patético.