De certa forma, não existem regras no cinema — apenas coisas que funcionam, ou não. É fato que os grandes estúdios estão cada vez mais confortáveis em apenas investir dinheiro em nomes já estabelecidos (sequências, refilmagens, reboots) — e, nesse contexto, a Disney encontrou um espaço enorme para versões live-action de seus clássicos da animação. E Mogli: O Menino Lobo é mais um passo desse esforço.
Alguns buscam dar uma roupagem moderna aos contos de fadas originais (o péssimo Alice no País das Maravilhas, que inicia a onda em 2010); outros exploram personagens daquele universo (Malévola); há, ainda, os que pouco acrescentam à história (Cinderela). Mas, até a chegada deste Mogli: O Menino Lobo, nenhum havia superado o filme original.
Mesmo que mais sombrio e complexo que a animação, Mogli: O Menino Lobo (também baseado, claro, na obra de Rudyard Kipling) jamais deixa de ser um filme para toda a família e uma aventura envolvente — e, de certa forma, continua sendo uma animação. Aqui, acompanhamos o “filhote de homem” vivido por Neel Sethi – o garoto é, literalmente, o único elemento live-action da produção, contracenando com animais digitais em uma floresta também criada no computador. Criado pela loba Raksha (Lupita Nyong’o) como parte de sua alcateia, Mogli começa a perceber cada vez mais, conforme cresce, as diferenças entre si mesmo e sua família. Até que o cruel tigre Shere Khan (Idris Elba) declara que é perigoso demais ter um humano na selva — e, então, a pantera Bagheera (Ben Kingsley), que encontrou Mogli na selva, decide acompanhar o menino até a “vila dos homens”.
A partir daí, Mogli percorre as selvas indianas enquanto se depara com animais, até então, desconhecidos — alguns são cruéis, como a cobra gigante Kaa (Scarlett Johansson), mas outros tornam-se novos companheiros, como o engenhoso urso Baloo (Bill Murray). Hábil em construir sua própria identidade e, ainda assim, honrar o legado da animação/livro, o diretor Jon Favreau se diverte ao incluir a canção “The Bare Necessities” de forma orgânica na narrativa. O mesmo, infelizmente, não acontece com “I Wanna Be Like You” — sim, a música é muito significativa quanto ao personagem do Rei Louie (Christopher Walken), mas ela seria melhor utilizada se tivesse permanecido apenas nos (excelentes) créditos finais.
Este Mogli: O Menino Lobo apresenta uma mensagem mais ambientalista — a impactante sequência envolvendo a “flor vermelha” (nome dos animais para o fogo) é essencial para mostrar ao protagonista que, enquanto seus “truques de humano” podem, sim, ser muito úteis na selva, o homem também tem o poder de destruí-la. Assim, enquanto o garoto aprende a lidar com sua própria condição de ser humano, ele também percebe a importância de buscar um equilíbrio em sua identidade.
Construindo seus personagens — e as dinâmicas entre eles — de forma natural e sincera, Favreau reforça a mensagem da obra original de que as individualidades de cada um são essenciais para o todo, enquanto tira sua própria conclusão disso ao permitir que Mogli, ultimamente, encontre seu próprio lugar na selva. É uma história simples, sim, e pode não ser nada que já não tenhamos visto — mas é contada de forma honesta, reconhecendo sua própria simplicidade e, assim, investindo em um universo fascinante repleto de personagens interessantes, mesmo que os conheçamos apenas brevemente.
O que nos leva, é claro, ao magnífico feito alcançado, aqui, pela tecnologia digital e os profissionais que trabalharam com ela neste filme. A selva de Mogli é viva, rica, antiga e fascinante — este é um lugar em que podemos acreditar que as diferentes espécies de animais conseguiram construir um lugar seguro e desenvolver suas próprias regras e modos de viver. E os próprios bichos jamais deixam de fascinar, inclusive os que aparecem em apenas um ou dois planos.
Com movimentos característicos de suas espécies, os animais que conhecemos, aqui, tornam-se vivos também graças ao impressionante elenco — todos igualmente impecáveis e contribuindo para construir seus personagens com rapidez, algo necessário considerando que muitos participam de apenas uma cena (como Kaa ou o Rei Louie). E, no papel central, o jovem Neel Sethi mostra-se adorável, esperto e valente, demonstrando a inteligência de um menino que cresceu em situações muito particulares, sim — mas que, afinal, é ainda apenas uma criança.
Mogli: O Menino Lobo é uma obra encantadora que mostra que, nas mãos de cineastas talentosos e que abracem sua história — e as novas possibilidades permitidas pela tecnologia atual —, sempre há novos elementos a serem explorados.
“The Jungle Book” (Estados Unidos, 2016), escrito por Justin Marks a partir do livro de Rudyard Kipling, dirigido por Jon Favreau, com Neel Sethi e as vozes (no original) de Ben Kingsley, Idris Elba, Scarlett Johansson, Lupita Nyong’o, Giancarlo Esposito, Bill Murray, Christopher Walken e Garry Shandling.